Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Educando a Pessoa Humana. Releitura de alguns modelos educativos entre os povos indígenas do alto Rio Negro-AM

por Pe. Justino Sarmento Rezende
 
Indígena da etnia Tuyuka. Sacerdote Salesiano. Mestre em Educação (Diversidade Cultural e Educação Indígena). Diretor da Missão Salesiana e pároco da Paróquia São Miguel Arcanjo
 
 
ABRINDO A CONVERSA!(1)
Amigo leitor e amiga leitora! Socializo com você algumas reflexões sobre antigas e novas realidades que envolvem a educação da pessoa humana, principalmente dentro da educação escolar. As minhas constantes viagens pela região do Rio Negro/AM favorecem conhecer diversas pessoas de diferentes povos. Nessas viagens eu observo as mudanças das realidades materiais e humanas. Converso com as pessoas sobre como eles se veem e como veem as realidades: história, trabalhos, escolas, comportamentos das pessoas, comportamentos juvenis...
Numa das viagens eu parei na cidade de Santa Isabel do Rio Negro. Era uma bela noite de sexta-feira, dia 14 de outubro do ano de 2011. Todos se reuniram no ginásio poliesportivo para a comemoração do dia do professor.
O grêmio estudantil juntamente com os professores(2) organizou um momento festivo para prestar homenagens aos professores em sinal de reconhecimento pelos trabalhos que realizam em diferentes escolas da cidade, atendendo centenas de alunos em cada escola.
Uma das homenagens foi feita em forma de encenação [teatralização] sobre a história da educação escolar nessa região. Os atores eram professores.
Apresentaram essa história de maneira bem dinâmica, recheadas de muitas piadas, despertando muita atenção e participação dos convidados para a festa.
A encenação continha três partes. Primeira cena mostrava como eles eram educados nas escolas salesianas [de 1920 até o final da década de 1980 (fim de internatos)]. Segunda cena mostrava as situações pelos quais os professores passam durante as suas práticas educativas nas escolas atuais, como eles se veem como educadores e como eles veem comportamentos de seus alunos nas salas de aula. Terceira cena mostrava como poderá ser a educação escolar no futuro, na era digital.
Nesta encenação ressaltavam a existência e aplicação das regras disciplinares para ter o controle sobre a situação e sobre as pessoas no campo da educação escolar. O fio condutor da encenação era a crítica ao excesso da rigidez na aplicação das regras (como na época dos salesianos) e ausência dessa regras (como nas escolas de hoje).
Esta encenação proporcionou-se a ver que os conteúdos eram apresentados de forma bem descontraída. A apresentação feita de maneira bem artística. A linguagem utilizada era da época passada e do tempo presente. Representavam algumas personagens (salesianos e professores de época passada). Mostravam as atitudes de alunos do passado e do presente. Tais apresentações provocavam gostosas risadas e gargalhadas entre os participantes. A utilização de gestos, atitudes, palavras, modos de se vestir mostravam muitos conceitos antropológicos, sociológicos, psicológicos e pedagógicos.
A partir dessa apresentação eu me propus revisitar as histórias da educação dos povos indígenas da região do Rio Negro em quatro momentos. 1. A Educação Indígena. 2. Educação Escolar Salesiana. 3. Educação Escolar hoje (modelo ocidental e indígena). 4. Perspectiva da Educação Escolar do Futuro.
O artigo é bem simples e pretende provocar novas maneiras de reler as histórias da educação indígena e educação escolar (ocidental e indígena) desde que começou (1920ss.) até os nossos dias. Creio que seja importante para os educadores e professores atuais o aprofundamento das histórias da educação escolar na nossa região. O meu foco principal é sobre como os elementos da rigidez, flexibilidade, dureza, disciplina, seguimento de normas, comportamentos pessoais e coletivos; liberdade e autonomia; vontade, escolhas, decisões, imposições, diálogos, compreensão, negociação, acordos, transparência, etc., perpassam por diferentes modelos educativos. Eu vejo que todos os povos possuem seus pensamentos específicos e diferenciados sobre as realidades que eu estou apontando: crenças, suas regras de vida, comportamentos adequados...
O campo da educação é campo próprio da pessoa humana. Através da educação uma pessoa (indivíduo; grupo) educa outra pessoa (indivíduo; grupo). Foi a pessoa que ao longo de diferentes processos de construção das histórias criou elementos necessários para conduzir bem os caminhos da educação e formação da pessoa humana: regras comportamentais, normas orientadoras, castigos etc.
1. EDUCAÇÃO INDÍGENA
A primeira educação que eu recebi foi a educação de meu pai e minha mãe, de meus familiares e parentes na comunidade tuyuka. Por isso, eu digo que a primeira educação que me ajudou a ser gente, pessoa humana foi educação tuyuka (educação indígena). O meu pai e minha mãe cuidaram de mim do jeito deles. Eles souberam cuidar de mim. Ensinaram transmitindo muitos conhecimentos. Chamaram-me muita atenção e algumas vezes bateram-me, quando eu não agia como eles gostariam que eu tivesse aprendido os seus ensinamentos.
A minha utilização do conceito educação indígena serve para facilitar a compreensão de outros modelos educativos dos povos indígenas. Eu não estou dizendo que conheço cada modelo educativo existente entre os povos indígenas.
Quando eu falo da educação indígena estou afirmando que os povos indígenas possuem modos próprios de educar seus filhos com pedagogias específicas, com suas línguas (outras vezes com outras línguas), com seus costumes, tradições, riquezas, limitações, projetos de vida e de trabalho, etc. Hoje em dia o conceito educação indígena faz parte do campo discursivo de muitas pessoas. Através desse conceito querem diferenciar-se de outros modelos de não indígenas.
Entre os povos indígenas (23 povos e há quem dia que são 24 povos) da região do alto Rio Negro (AM), onde viajo bastante e observo a dinâmica da história desses povos é importante provocar a visibilização dos fundamentos e princípios existenciais de suas vidas e histórias. Esse trabalho é importante para nós mesmos indígenas (jovens, crianças, estudantes, adultos...). Em segundo momento para que os não indígenas conheçam nossos modelos educativos, nossas histórias, dificuldades etc.
As práticas educativas e pedagógicas precisam ser compreendidas como realidades bem dinâmicas e vivas. Elas estão encarnadas em nós pessoas humanas viventes e construtoras de histórias.
A construção de práticas culturais pode ser compreendida como processo demorado de gestação vital. As pessoas e comunidades gestam as culturas. Depois elas nascem, crescem, amadurecem e morrem em diferentes momentos. Criam e recriam-se outras práticas e conteúdos. Essa construção é contínua. É cíclica, também. Ela acompanha as exigências da própria história de cada povo e do mundo entorno.
Para fazer essas construções históricas existem alguns elementos importantes que precisam ser valorizados e serem vistos: as pessoas que falam, conversam, interpretam, ensinam, aprendem, pensam, esquecem, refletem sobre muitas realidades que elas mesmas criaram ao longo das histórias, decidem deixar de lado certas realidades e optam por fazer outras práticas culturais.
Hoje é intenso (frequente e rápido) o contato com outros povos e instituições. As escolhas e decisões que os povos indígenas assumem, individual e coletivamente sobre realidades antes não conhecidas, modificam as histórias pessoais e coletivas. As mudanças culturais resultam das escolhas e decisões que as comunidades indígenas fazem. São também resultados de acolhidas que as comunidades dão. Outras vezes as mudanças entram sem esperar que as comunidades indígenas discutam. Geralmente são forças que chegam de fora, do entorno regional, nacional e global. E, são realidades atraentes e que acabam sendo aceitas e acolhidas pelas pessoas sem restrições, sem questionamentos etc.
Alguns saberes se mantêm vivos por muitos séculos, entre as diversas gerações. Vejamos um exemplo: os cantos-danças rituais e cerimoniais entre os povos da bacia do rio Uaupés existem há séculos; os mestres de cantos-danças utilizam linguagens incompreensíveis, mas se creem como linguagens muito significativas, linguagens protetoras, falas divinas... Os ritmos e passos de danças são aqueles mesmos de muitos séculos atrás. Existem distâncias enormes entre os criadores destas danças e desses ritmos para nós seres humanos de hoje. Porém, esses mistérios linguísticos e rítmicos nos aproximam de nossos ancestrais humanos e divinos. Algumas vezes os sábios atuais, mestres de danças e cantos brigam quando algo está sendo distorcido.
Os meus parentes de longa caminhada histórica afirmam que nossa educação no passado era diferente e nós éramos diferentes; o mundo era diferente e hoje está muito diferente. Essa capacidade de sentir e perceber as diferenças históricas em nossas próprias vidas individuais e comunitárias lança-nos para outras novas realidades. Nós indígenas não somos objetos para sermos vistos como peças do tempo passado, mas nós somos atores principais dessas novas histórias.
A comunidade onde eu nasci e vivi nos meus primeiros anos de vida fica localizada à beira de um pequeno e bonito igarapé, Onça-igarapé. As águas daquele igarapé sempre vão para frente, nunca voltam para trás. Em algumas partes as águas correm mais rápidas, nos remansos as águas vão mais devagar, circula, circula e seguem em diante. Durante o percurso essas águas se encontram com outros rios e vão seguindo em direção de um rio maior, do oceano.
Assim são os povos indígenas, sempre constroem as histórias presentes visando para frente. Nos percursos de suas histórias encontram outros povos, outras culturas e povos grandes, conhecimentos grandes e diferentes.
Falando mais especificamente das normas e regras internas da comunidade indígena é fácil dizer que durante a prática educativa e pedagógica os povos indígenas utilizam seus próprios instrumentos para normatizar a dinâmica da vida: regras de comportamentos adequados e diferenciados para fases principais da vida (criança, adolescência, juvenil, vida adulta). Algumas vezes as disciplinas são bem rigorosas; outras vezes são mais flexíveis; outras vezes são fáceis de vivenciar e praticar... Quem é indígena conhece bem a dureza durante diferentes processos educativos. Quem não conhece bem a educação de um determinado povo indígena "acha” que o processo educativo dos povos indígenas é levado de maneira leve, sem disciplinas rigorosas, isto é, sem regras sérias e exigentes.
A boa educação e formação da pessoa, individual e coletivamente (povo) são resultados de sérias e duras exigências dos educadores para com seus filhos, netos...; são resultados de sofrimentos silenciosos dos filhos e filhas aprendizes e outras vezes são resultados das durezas e grosserias dos pais.
Nas últimas três décadas eu já andei entre os diferentes povos indígenas. Frequentemente nas conversas informais e nos debates temáticos sobre a educação indígena eu escuto os indígenas contando as dificuldades, dureza e sofrimentos que passam durante a educação de seus pais. Nós pessoas humanas somos difíceis de sermos educadas. Encontramos diversas dificuldades no trabalho de educar as pessoas. Vejo que essas dificuldades são as que provocam a utilização de atitudes rigorosas, regras duras durante a educação com a tarefa de ensinar a viver e conviver com outras pessoas e com o mundo.
Os pais indígenas falam sério com seus filhos e filhas. Muitos pais disciplinam seus filhos e filhas com simples olhares, para dizer que não é assim; não responda assim; faça o que sua mãe está pedindo para fazer; faça o que eu estou mandando etc. Aqueles pais que não conseguem colocar a disciplina com diálogos, conversas, partem para atos agressivos. Há aqueles que creem que último grau para educar para quem não quer melhorar é com pancadas. E acontece mesmo, não é invenção.
Neste último tempo (2010ss.) eu estou entre o povo Yanomami do rio Marauiá/AM e vejo as mães baterem em seus filhos e filhas pequenos sem pena. Eu fico sofrendo vendo tais cenas: como a gente sofre quando somos crianças, adolescentes... Essas realidades exigem trabalhar diferentemente para não criarmos traumas nas crianças, adolescentes e jovens...
A maioria das crianças indígenas do Rio Negro carrega dentro de si, marcas de violências paternas, psicológicas e físicas. Tais traumas nem sempre serão superados quando são adultos. As consequências são: diante das realidades novas e desafiadoras nos sentimos medrosos; medo diante das pessoas e medo de tomar decisões; sentimo-nos melindrosos e até mentirosos...
Por piores que sejam as tradições de nossas culturas poucas vezes nós questionamos. Outras vezes, estando distantes de pessoas educadoras tão autoritárias que nos causaram tantos medos questionamos, refletimos... Outras vezes tais atitudes são assumidas pelos pais atuais que continuam batendo e agredindo aos seus filhos. Muitas vezes muitos pais e mães afirmam que os filhos que não querem aprender devem apanhar mesmo. Nem todos pensam assim, pois outros pensam e agem com diferentes modos: falando, aconselhando etc.
As comunidades também são instituições vivas como pessoas e também são educadoras. Elas também educam e estabelecem disciplinas sobre as pessoas das comunidades Dentro das comunidades os nossos pais não permitem fazer tudo. As comunidades estabelecem regras e mantêm o controle sobre os comportamentos de seus membros. Por exemplo: o companheirismo entre o feminino e masculino em alguns momentos é permitido, em outras fases é proibido severamente. Existem os tabus que são mantidos em muitos campos da nossa vida e culturas. As culturas indígenas não se baseiam na libertinagem, não vivem de qualquer jeito, existem regras que normatizam bons comportamentos humanos...
São disciplinas e regras que foram criadas, que são repensadas e que se modificam. São elas que mantêm os povos indígenas vivendo a vida e construindo suas histórias próprias. Quanto mais os povos indígenas interagem com outros povos recriam e reconstroem suas regras de vida. Não existirá em nenhum momento das histórias indígenas uma vida sem regras. Sempre existirão disciplinas a serem seguidas e instrumentos de controle de bons hábitos e punições para os praticantes de maus hábitos.
2. EDUCAÇÃO ESCOLAR SALESIANA
A agora nós vamos conhecer um pouco mais sobre clima educativo dos salesianos no Rio Negro/AM.
Na primeira cena os professores colocaram-se dentro do clima educativo salesiano na época em que funcionavam os internatos. Eles mesmos tinham sido alunos internos (Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Iauareté...)
Desse contexto eles criticavam (repudiando) às rígidas disciplinas sentidas e vistas dentro das práticas educativas salesianas. Os discursos, porém, eram ambivalentes. Ora mostravam como algo repudiável e nocivo para a educação de uma pessoa e ora pareciam estar com muitas saudades delas. Pareceu-me que os professores viam que com rígidas disciplinas os educadores salesianos tinham controle sobre a situação e sobre as pessoas.
Quando perdiam o controle aí entravam os castigos que causavam tanto medos nos jovens de internatos.
A encenação focalizava muito a educação dentro da sala de aula. Com a aplicação dessas regras duras o professor ensinava com "tranquilidade” e os alunos "aprendiam”os conteúdos com mais facilidade.
Nessa primeira cena eles mostraram alguns elementos importantes:
a) Perfil do professor: professor é salesiano; professora é freira salesiana. O professor salesiano e professora salesiana não são índios ("brancos”). Esses professores estão ali como civilizadores, evangelizadores e catequizadores de índios e caboclos.
Para ação de civilizar os índios: alfabetização, leituras, decorebas das matérias (diversas), língua portuguesa, conhecimentos não indígenas, práticas de civilidades; cursos de profissionalização; esportes diversos; gincanas, teatros, passeios etc.
Na ação de evangelizar e catequizar: oração, retiros, missas, confissões, novenas de santos, tríduos em preparação às festas; catequese para sacramentos de primeira eucaristia, crisma.
Os salesianos na época de internatos trabalhavam com muitos jovens. Eu era aluno interno na época (1970-1979). Eu sentia muito medo de castigos e fiquei de castigo várias vezes. Nós éramos muitos e nós tínhamos diversos conflitos entre nós: discussões, brigas, roubos, desrespeitos pelas coisas dos outros, violências e ofensas verbais, violências físicas... Tudo isso circulava entre nós. Nós não éramos perfeitos, comportadinhos...
Os salesianos da época tentavam esclarecer e motivar-nos para as práticas boas e muitas delas nós conseguíamos praticar. Outras realidades não previstas pelo processo educativo apareciam.
Hoje eu tento entender de maneira diferente todas as realidades existentes: as rígidas disciplinas, com castigos, controles de nossas más atitudes; aprender a respeitar os nossos superiores; ficar em pé quando chegar o professor, cumprimentá-lo e sentar só depois que o professor pede para sentar; prestar atenção e não olhar para os lados; na tomada de lições estarmos bem preparados; quem não estava preparado (quando erra) levava uma palmada com régua; quem conseguia corresponder com aquilo que era exigido ganhava prêmios etc. À primeira vista, nós podemos acreditar que com muita disciplina os salesianos (as) conseguiram manter disciplina sobre nossas vidas. Conseguiam em parte. Por quê? Na ausência do salesiano e irmã salesiana nós continuávamos aprontando entre nós; bagunçávamos com o próprio salesiano às suas costas; mexendo as coisas dos outros; escondendo os materiais dos outros; quando perguntados mentíamos e acusávamos os inocentes injustamente e ele que sem saber recebiam os castigos etc. Formávamos grupos de autoproteção, defesa e ataque.
b) Perfil do aluno: indígena, caboclo. São levados pelos pais aos internatos. Forçados a viver nos internatos, não tinha escolha. Naquelas épocas todos tinham que estudar e não tinha outra escolha. Assim como nos dias de hoje.
No espaço de internatos encontrávamos pessoas de diferentes povos. Por isso, saíam muitas brigas entre nós. Muitas brigas nem os salesianos chegavam a saber. As simples antipatias com os colegas eram motivos de perseguições e brigas.
A presença de salesianos com seus fortes instrumentos controladores do ritmo normal de convivência humana e intimidava nossos instintos maus. Favorecia boa aprendizagem: decorar, memorizar as lições de matemática, português, geografia, etc., era importante para nós internos.
c) A organização: materiais e ambientes eram bem arrumados e organizados. A disciplina existia até na manutenção das coisas, no modo de vestir corretamente, manter bem arrumadas as carteiras, cadernos ordenados... Aprendíamos a ser pontuais.
A encenação demorou aproximadamente dez minutos. A interpretação sobre a encenação depende muito de quem a vê. De minha parte interpreto como uma mescla de sofrimentos (medos, desconfianças, revoltas...) de alunos e de rebeldia contra o sistema salesiano de educação. Por outra parte eu vi na encenação muita saudade daquela época como algo que ajudava na construção da disciplina pessoal e coletiva. As rebeldias contra os educadores salesianos e salesianas daquelas épocas, hoje se voltaram contra os próprios professores indígenas e caboclos. Eles se veem impotentes frente aos novos comportamentos juvenis. Hoje existem leis que proíbem os castigos, ameaças, palavras um pouco duras já podem provocar processos contra quem as utilizam.
Lembro ao leitor que na época dos salesianos a compreensão da educação era bem ampla. A educação não se resumia naquele momento de aulas. A educação e as regras disciplinares acompanhavam a vida dos alunos em todos os lugares e em cada momento do dia.
A educação acontecia no pátio e no campo de futebol. Lá estava presente a figura do salesiano para ajudar os alunos a se comportarem, respeitarem seus colegas, coibir os palavrões que eram pronunciados... Aconteciam muitas brigas entre nós alunos, no pátio, no campo de futebol, na roça, no refeitório, na sala de aula, no estudo, no banho, no dormitório.
A chamada assistência salesiana ajudava para que o ritmo de vida caminhasse sem as brigas e outras confusões. A educação seguia nos campos de trabalho: roça, limpeza da casa, nas oficinas... A educação acontecia nos espaços recreativos. A educação acontecia no estudo. Acontecia no banho, no dormitório... Acontecia nas celebrações religiosas, civis...
Ser educador naqueles contextos era muito mais exigente do que hoje, exigia presença continuada dos salesianos. Imaginem vocês, nós alunos ficávamos oito meses no internato. Era um tempo que exigia salesianos bem de saúde e dispostos.
As rígidas disciplinas utilizadas nos internatos podem ser também vistos como elementos protetores do sistema de educação que se implantava; como elementos protetores da vida de alunos... Sem dúvida que também faziam diminuir nossa espontaneidade de crianças, adolescentes e jovens indígenas...
Hoje são histórias que marcaram as histórias de muitos jovens, rapazes e moças. Essas pessoas que passaram pelos internatos (últimas turmas de 1988) já são pessoas adultas com idades acima dos trinta anos. São essas pessoas que hoje são pais e avós. Elas olhando para vida de seus filhos estudantes, olhando para vida escolar e para atitudes dos professores atuais, sentem saudades daqueles exigentes modos de educar uma pessoa.
Muitas vezes esse aspecto de castigos salesianos é sempre criticado. Para entendermos bem o sistema educativo de Dom Bosco alguém que não salesiano poderia fazer uma pesquisa aprofundada para entender o que Dom Bosco pensava sobre a educação dos jovens e como ele se dedicava na educação dos jovens.
Fazendo essa pesquisa poderia entender o que Dom Bosco pensava sobre o castigo e o que ele dizia sobre tal ação.
Dom Bosco é grande educador dos adolescentes e jovens. Ele inspirou-se nas práticas de seus antecessores que já se dedicavam a trabalhar com a juventude. Dom Bosco conseguiu inserir uma singularidade própria em sua pedagogia. Ele era contrário ao sistema de educação baseado na repressão (castigos, violência...). Por isso, ele criou outro sistema de educação denominado de sistema preventivo. Ele dava muita atenção para educação da juventude mais necessitada de sua época. Sua finalidade era incidir positivamente no desenvolvimento e na formação das faculdades humanas, a ponto de tornar cada rapaz de habituais decisões livres, em generoso empenho de vida, individual e social, moral e religioso. Dom Bosco soube trabalhar com estabilidade (fins antigos) e inovação (fins novos) das realidades da época, era atento ao caráter histórico, contextual e vital de seu sistema educativo.
Dom Bosco quis levar os jovens a acolher e formar a fidelidade à perene novidade cristã quanto à capacidade de inserirem-se em uma sociedade libertada dos mais pesados vínculos dos regimes antigos e projetada para novas conquistas.
As obras (escolas, oratórios...) de Dom Bosco acolheram vários tipos de jovens. Com alguns tipos encontrou muitas dificuldades. Dom Bosco foi entendendo que a forma de vida juvenil é essencialmente evolutiva e pedagógica. Dizia que o processo de crescimento da juventude deve ser realizado necessariamente com o adulto educador e os fatores que o acompanham levando-o para ação.
Para Dom Bosco, no processo de crescimento dos jovens a educação aparece absolutamente dominante e insubstituível. Para ele a vida de idade que cresce não pode desenvolver-se positivamente a não ser com os educadores, em estreita interação com eles, na obediência.
O sistema educativo (sistema preventivo) de Dom Bosco inclui vários elementos humanos, materiais e espirituais, tanto para a educação dos jovens, salesianos e educadores. Dom Bosco é padre e com tal possui diversos valores, por isso, dizemos que a vida sacerdotal de Dom Bosco contribuiu muito para que ele construísse o modo próprio de educação, baseado na religião.
A educação da juventude que Dom Bosco estava iniciando fundamentava-se em três fundamentos: Razão, religião, amorevolezza. Essa última palavra amorevolezza em língua portuguesa pode ser compreendida como amor, carinho, amor demonstrado, amor afetivo e efetivo, confirmado pelos fatos, perceptível e percebido. Dom Bosco dizia: "que os jovens não só sejam amados, mas que eles mesmos saibam que são amados”.
Esses três fundamentos não são separados um do outro, mas são interrelacionais, estão interpenetradas uma na noutra. Assim deve acontecer tanto em nível de fins e de conteúdos quanto de meios e métodos. No nível fins a educação da juventude deve estar comprometida com o desenvolvimento completo do jovem: físico, intelectual, moral, social, religioso e afetivo.
Em nível metodológico deve-se colocar em ação um conjunto de intervenções apropriadas para envolver um jovem aluno nas suas mais significativas potencialidades, mente, coração, vontade, fé, interativamente copresentes.
Dentro desse sistema de educação o educador deve-se apresentar operativamente como modelo que vive ativamente tudo aquilo que, segundo a razão, a religião e a amorevolezza, é válido em si mesmo (educador) e o que ele é e o que ele ensina deve ser tornado amável e atraente, motivante e envolvente para ao aluno.
Os salesianos procuram levar tais riquezas para o meio dos povos com os quais trabalham. Atualmente os salesianos estão presentes em mais de 130 países.
Os salesianos trabalham desde os oratórios festivos, centros juvenis, escolas profissionalizantes, escolas e colégios de séries iniciais, ensino fundamental e médio. Trabalham em Faculdades e Universidades...
Em todos esses ambientes se procura viver o sistema preventivo de Dom Bosco. Por isso, o sistema preventivo de Dom Bosco continua como proposta educativa para os dias de hoje. Dom Bosco foi radicalmente contra a educação motivada pelo temor, conhecido como sistema repressivo. Fez tremular a bandeira de uma educação motivada pelo amor, pela caridade, pela alegria. O ódio, a agressividade, o medo devem ser combatidos com armas mais eficazes: o amor, a compreensão, a coragem.
Ao longo da história salesiana, algumas práticas e exigências de Dom Bosco não foram vividas pelos seus seguidores. Na época em que Dom Bosco estava vivo alguns salesianos já sentiam dificuldades na educação da juventude e chegavam também utilizar dos castigos. Dom Bosco interveio diversas vezes com essas atitudes.
Acredito que a falha da educação salesiana no Rio Negro foi o de alguns salesianos não terem vivido bem o sistema preventivo de Dom Bosco. E, se focalizarmos somente o castigo dentro da educação salesiana parece nos dar a impressão de que a educação salesiana foi um desastre. Mas se ampliarmos nossas leituras sobre a ação salesiana perceber-se-á que a educação salesiana deu uma grande contribuição positiva no fortalecimento das culturas do Rio Negro e na vida profissional de muitas pessoas.
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR (OCIDENTAL E INDÍGENA)
Na segunda cena, os professores mostraram o clima educativo das escolas atuais. Mostraram como eles perdem o controle sobre a dinâmica da vida juvenil. As rápidas mudanças históricas provocam novas atitudes nas pessoas humanas.
Nesta parte da encenação, a sala de aula foi posta como espaço educativo que apresenta novos desafios para professores. Ali os alunos vivem a vida de deles: cultivam novos comportamentos frente às exigências da educação escolar; uma aparente "liberdade” de sair e entrar na sala de aula em qualquer momento, sem pedir licença ao professor; os alunos batem papo com os seus colegas pelos telefones celulares enquanto o professor se esforça em transmitir os conteúdos escolares, mas sem grandes resultados positivos. Os alunos continuam ouvindo as músicas com fones de ouvidos e o professor tenta disciplinar o grupo e não consegue. E, outras vezes ele mesmo consente com tais comportamentos. Assim passa o tempo e acabam os minutos reservados para o ensino de uma matéria. Estes elementos que eu consegui enxergar durante a apresentação. Eram cenas rápidas. A partir dessa leitura procuro agora reler os dois modelos de educação escolar que conhecemos aqui na região do Rio Negro.
3.1. A EDUCAÇÃO ESCOLAR OCIDENTAL(3)
Eu utilizo o conceito educação escolar ocidental, no primeiro momento, para afirmar que a educação escolar não tem suas raízes culturais aqui, veio de longe e com os povos não indígenas. No segundo momento eu utilizo esse conceito para diferenciar-se do modelo de educação escolar indígena, esta também não é originariamente indígena.
Na região do Negro o modelo de escola ocidental começa a partir da década de 1920 com os missionários salesianos. Depois de mais de noventa anos a cultura escolar e as culturas das escolas fazem parte da construção histórica das culturas atuais dos povos do Rio Negro.
A escola ocidental trouxe suas próprias filosofias, políticas, teorias de conhecimento, pedagogias, metodologias de ensino-aprendizagem para dentro das comunidades e culturas indígenas.
Essa escola já passou pelo processo de desconstrução e reconstrução de suas histórias a partir de novos educadores-professores, indígenas e caboclos. Surgiram novos atores que ressignificam os papeis de professores, metodologias no campo da educação escolar. Os habitantes destas regiões tornaram-se professores e gestores (nas últimas duas décadas).
A questão de regras disciplinares que a encenação quis trazer para a reflexão está bem presente nas escolas atuais. Não é por acaso que os professores encenaram essa complicada situação. Por outra parte não podemos englobar todas as escolas existentes numa mesma leitura, pois cada escola possui suas próprias histórias, conquistas, dificuldades, superação etc.
Nas escolas atuais as relações de pais, alunos, educadores, professores e gestores são bem diferentes do que na época de internatos salesianos. Hoje existe clima de permissividade já dentro das famílias para com os seus filhos. Os filhos querem viver do jeito deles dentro e fora de casa. Tais atitudes entram nos espaços escolares.
Muitos educadores-professores são também pais e mães. Possuem as mesmas atitudes de permissividade, medos dos filhos, medos de chamar atenção e corrigir, medos de orientar os jovens diante das dificuldades vividas pelos estudantes invadem em ambientes onde se poderiam vivenciar as práticas pedagógicas escolares. Em algumas escolas eu vejo que há jogo de empurra, empurra de responsabilidades: gestor joga a responsabilidade para os pais, os pais para os professores e os professores para os pais etc.
Essas realidades mostram para nós que há necessidade de termos regras bem acessíveis e claras para que todos os envolvidos as conheçam para praticá-las. Como muitas pessoas costumam afirmar na educação de uma pessoa, não dá para ser bom demais e nem ruim demais. Como vamos fazer isso? É uma das perguntas que poderá nos ajudar a refletir, buscar caminhos para as regras de vida que possam gerar um clima educativo familiar bom para a formação da pessoa e aprendizagem de saberes.
Muitos professores já exercem a docência há vários anos. São formados nas escolas salesianas e foram educados num clima de muitas exigências. Para os cursos superiores estudaram em diferentes universidades e aprenderam muitos conteúdos. Por isso, os professores possuem técnicas, conteúdos, metodologias, disciplinas que foram se organizando ao longo de sua atuação; eles possuem cursos de capacitação, qualificação... Cada professor conforme seu próprio modo de educar e ensinar mantém o controle da vida de seus alunos.
As realidades dessas escolas atingem a vida das comunidades locais, isto é, onde estão implantadas as escolas. Os bons comportamentos influenciam positivamente as vidas das comunidades. Os maus comportamentos influenciam negativamente as comunidades. Por isso, a preocupação de estabelecer regras de boa convivência vai além das salas de aulas. Nesse sentido a responsabilidade é social. A interação comprometida de todos os membros das comunidades, lideranças, professores, gestores e alunos podem criar clima bom para se viver, morar e estudar. Do contrário, os problemas extraclasses acabam entrando nos espaços escolares, gerando brigas, perseguição, medos, insegurança, abusos de liberdade, violências, mortes (assassinatos e suicídios), etc. Os desafios são maiores.
A educação escolar hoje atinge a própria sociedade onde a escola está localizada. Na época dos salesianos os alunos viviam numa comunidade à parte ao lado das comunidades indígenas. Hoje, a escola é um dos espaços da sociedade. Pretende ser um espaço de educação, assim o espaço familiar, espaço de lazer, de festas, de esporte... Os educadores-professores não estão presentes na vida e nas atividades dos alunos, no cotidiano. Mas os problemas gerados pelos jovens e com os jovens nas realidades extraclasses atingem escolas, os docentes, a direção. Muitas vezes, atingem a delegacia, conselho tutelar. Nessa complexa situação teríamos que sentar todos e estabelecer regras mais amplas e com maior abrangência. Mais uma vez se percebe que nunca existirá uma instituição educativa sem regras sérias que favoreçam a boa educação das crianças, adolescentes, jovens, educadores, professores, pais e mães.
3.2. A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A educação escolar indígena propriamente dita na nossa região surge no final da década de 1990. Emerge como compromisso político de reinventar e criar outras escolas. São espaços indígenas ocidentalizados e ocidentais indianizados; espaços intercuturais que refletem, recriam, fortalecem as identidades e diferenças; espaços de negociação de valores e práticas culturais; espaços de construção de novas relações humanas, produção de novos conhecimentos e acesso a outros recursos.
Essas escolas indígenas preferencialmente faziam discursos fortes contra os internatos salesianos com regras rígidas para conduzir o ritmo de educação das pessoas.
Ao contrário de internatos salesianos essas escolas surgiram em pequenas comunidades e com pequenos grupos de alunos. Assim toda a comunidade (pais, mães, lideranças, professores e alunos) mantinha sob controle o ritmo de vida estudantil.
Com o passar dos anos também aumentaram o número de alunos e apareceram realidades que não foram previstos nos Projetos Políticos Pedagógicos de suas escolas (tuyuka, tukano, tariano, baniwa...): conflitos entre os moradores das comunidades, conflitos entre lideranças tradicionais e lideranças de professores; brigas entre a juventude; brigas em dias de festas como consequência de exageros de bebidas alcoólicas; exagero de consumo de bebidas alcoólicas provocou também brigas entre alguns professores; roubos de alimentos; diversos tipos de roubos foram surgindo.
Estas realidades provocaram outras reflexões e a necessidade de estabelecerem normas e regras para favorecer o bom andamento da vida estudantil, vida da comunidade, corrigir os erros, conversar com aqueles que cometeram alguns erros... Apesar de serem ambientes pequenos, a desobediência está sempre presente entre todos, principalmente quando se quer estabelecer regras para o controle de diversas ações humanas e algumas delas não são boas.
As escolas indígenas caminham entre teorias ocidentais e indígenas. Exercitam, redescobrem e constroem discursos indígenas com categorias ocidentais. O uso das regras disciplinares é um dos elementos que se torna necessário para zelar e não deturpar os conteúdos da educação indígena no espaço escolar: danças, ritmos, benzimentos, língua, discursos mitológicos etc.
As escolas indígenas pensam e repensam os processos educativos escolares presentes nas comunidades indígenas. Tentam consertar os estragos feitos pela escola de modelo ocidental. Para isso utilizam de regras de pertença étnicas, mas hoje há uma tendência mais individualista das pessoas, por isso surge rebeldia contra as autoridades locais, não obedecem às autoridades tradicionais e como consequência surgem ameaças aos "rebeldes”.
Também dentro dessas escolas cada vez mais se necessitam de regras bem discutidas, entendidas e acertadas para poder viver bem a vida de educação e estabelecer uma equilibrada convivência.
4. PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO FUTURO
Na terceira cena os professores encenaram sobre a escola do futuro, escola da era digital.
Nessa cena mostraram o professor e os alunos utilizando os notebooks. Os conteúdos das aulas eram passados aos alunos pelos e-mails. As tabelas de conteúdos eram transferidas diretamente nos computadores dos alunos para facilitar o acompanhamento dos conteúdos que eram trabalhados.
Aqui, o clima educativo parecia bem tranquilo e calmo. Os alunos pareciam bem concentrados e atentos. Ai que estava o engano na era digital. Enquanto o professor empolgado lecionava as aulas e motivava os alunos a abrirem arquivos certos para acompanharem os conteúdos já organizados em PowerPoint, em Tabelas, etc., o que o professor descobriu passando entre os alunos foi de que os alunos que pareciam estar bem sintonizados com as aulas estavam navegando em outros sites e lendo outros assuntos que nada tinham a ver com os conteúdos das aulas.
Outra realidade interessante e impressionante é de que o professor apresentado nesse contexto ele era o mais desatualizado no campo da informática. Não dominava os programas que ele poderia manusear para sua prática pedagógica. Não vamos dizer que só existem professores nessa condição. Existem professores que dominam bem alguns programas básicos. Por outra parte temos os próprios jovens que têm iniciativa e compreensão para ajudar o professor que precisa utilizar os novos instrumentos de trabalho. Havendo uma interação os dois conseguirão organizar bons programas educativos e boas aulas.
Como eu disse anteriormente aqui também será importante criar regras disciplinares para orientar bom uso desses modernos instrumentos e de serviços da internet que abre para um mundo virtual. Necessitará a formação para personalidades capazes de ter visão crítica e propositiva; personalidade humana capaz de favorecer boas escolhas e deixar de lado o que pode desestruturar uma pessoa. Precisaremos crescer na disciplina pessoal e coletiva.
FECHANDO A CONVERSA
Após refletir sobre a necessidade de termos normas, regras e disciplinas que nos ajudem a viver melhor, trabalhar de maneira mais tranquila e com entusiasmo deixamos o caminho aberto para novas reflexões que surgirão. A história é dinâmica e complexa e ela mesma vai mostrando outras necessidades que nós pessoas humanas com nossas capacidades procuraremos questionar, refletir, buscar novos caminhos, buscar novas respostas.
As nossas escolas atuais estão ai. São elas como modelo ocidental, indígena, diferenciada, intercultural etc. Todas elas possuem suas filosofias de educação, seus embasamentos teóricos e práticos. Possuem muitas experiências no campo da criatividade, reinvenção, ressignificação de conteúdos, des/resconstrução das escolas. Muitas dessas escolas possuem seus Projetos Políticos Pedagógicos (Indígenas) reconhecidos e outros não reconhecidos pelas secretarias de educação.
Mas são projetos que as comunidades apostaram e estão funcionando.
Para nós habitantes da região do Rio Negro os desafios atuais são decorrentes de rápidas mudanças de estruturas sociais indígenas e não indígenas; novas maneiras de compreender as constituições familiares, novas formas de constituição das comunidades e novas maneiras de conceber a educação escolar indígena; novas maneiras de se relacionar com as lideranças tradicionais e novas lideranças; novas atitudes perante os educadores-professores; novas concepções sobre a obediência às normas tradicionais e normas nos estabelecimentos educacionais. Aqui, sim, precisaremos repensar e pensar como nós vamos criar regras, normas, disciplinas que vão ajudar a todos a viver melhor, trabalhar com maior motivação... Na ausência dessas regras boas e falta de sua aplicação vemos em muitos momentos situações tristes entre as pessoas que fazem parte da nossa comunidade educativa: envolvimento de jovens com drogas (consumindo e vendendo); assassinando e sendo presos; alunos sendo mortos; alunos (rapazes e moças) sendo violentados física e psicologicamente; vemos jovens se suicidando em algumas comunidades onde funcionam as escolas; professores entrando embriagados em algumas escolas e outras vezes faltando às aulas; surgimento de pedofilia, etc.
Desafiados por essas realidades teremos que pensar seriamente dentro de muitos cursos universitários que funcionam em nossos municípios do Rio Negro (Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira), cursos que a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) está levando: a formação de professores (sede de São Gabriel e na Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável); cursos universitários promovidos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), nos cursos de Magistério, curso para agentes de saúde; cursos promovidos pelo IFAM – São Gabriel da Cachoeira. As escolas indígenas que se iniciaram como escolas piloto passam a ter uma urgência de repensar e criar normas para criar ambientes favoráveis à boa educação, pois lá surgem realidades negativas antes não previstas. As Associações indígenas, Associações de Pais e Mestres e, demais instituições precisam reler suas próprias histórias e seus compromissos com as vidas de seus filhos e suas comunidades. Os Simpósios e Seminários sobre a Educação Escolar no Rio Negro também terão compromissos de ajudar a estabelecer normas para a superação de problemas e normas para acompanhar e orientar os educadores e educandos.
Notas:
(1) Pe. Justino é indígena do povo Tuyuka. É salesiano padre. Formação acadêmica: Licenciatura em Filosofia. Bacharelado em Teologia. Mestrado em Educação Indígena. Texto produzido no período de outubro/2011-23/02/2012.
(2) Utilizo o termo professor (es) para falar de professores e professoras.
(3) Os missionários salesianos iniciaram sua presença, ação evangelizadora (catequética) e educacional (escolas) a partir do ano de 1920. Eles levaram um tempo para construírem as escolas (prédios).

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=64842

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