Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Entrevista de Rubem Alves,aniversariante do dia, ao Educar para Crescer


PEDAGOGIA

Entrevista Rubem Alves

Um dos mais importantes educadores brasileiros fala sobre a escola de hoje, a relação aluno-professor e uma alternativa para o vestibular. "Proponho sorteios", afirma

18/05/2009 19:01
Texto Cynthia Costa e Juliana Bernardino
Educar
Foto: Divulgação
Foto: Rubem Alves
"A escola de hoje em dia é chatíssima. Isso explica o desinteresse das crianças."
Rubem Alves é um consagrado escritor brasileiro, autor de livros como A Escola Com Que Sempre Sonhei e Ao Professor, Com o Meu Carinho. Importante pensador e crítico da Educação do nosso país, questiona o modelo clássico de ensino, no qual o professor se preocupa apenas em passar conteúdos aos seus alunos. "Esse modelo não funciona mais. [...] É preciso saber quais perguntas os alunos estão fazendo. O ensino tem a ver com a capacidade de fazer perguntas. Isso desenvolve a inteligência", defende.

Para o também psicanalista e professor emérito da Unicamp, as escolas de hoje em dia estão muito desinteressantes, sobretudo porque não estão lidando com questões cruciais da vida das crianças, ou seja, não estão aproveitando o seu entorno. "As crianças têm interesse por aquelas coisas ao alcance de suas mãos. Não adianta trabalhar com abstrações", explica.

Para ler mais acesse a fonte original:
http://educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/entrevista-rubem-alves-471231.shtml

Defensor convicto do fim do vestibular, Rubem Alves propõe uma forma alternativa de selecionar alunos que querem ingressar numa universidade. "Eu proponho sorteios", radicaliza o educador, que logo explica: "Seria um exame nacional, do tipo Enem, para ver se os alunos atingem o mínimo de conhecimento. O exame teria, portanto, duas notas: passou ou não passou. Aqueles que tivessem passado por essa fase, iriam para o sorteio".

Mas por que um sorteio? Segundo ele, para eliminar a questão das cotas, uma vez que as minorias discriminadas teriam tanta chance quanto qualquer outro aluno. "As cotas criam muita raiva entre os que entraram assim e quem entrou por esforço próprio", finaliza.
Veja a seguir entrevista completa, concedida com exclusividade ao Educar para Crescer.

'Angolanos olham para o Brasil, mas brasileiros não olham para Angola'


'Angolanos olham para o Brasil, mas brasileiros não olham para Angola', diz escritor

Atualizado em  9 de setembro, 2011 - 07:32 (Brasília) 10:32 GMT
O escritor angolano Pepetela (foto de Jorge Nogueira)
Relações culturais entre Brasil e Angola não fazem jus às econômicas, diz Pepetela
Enquanto os angolanos veem o Brasil como um "irmão mais velho", os brasileiros pouco sabem sobre o país africano com quem partilham raízes lusófonas, diz o escritor de Angola Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, 69 anos, conhecido como Pepetela.
Em entrevista à BBC Brasil, o escritor angolano disse que, embora as relações econômicas e políticas entre Brasil e Angola venham crescendo, as relações culturais entre os dois países ainda deixam a desejar, e são predominantemente de mão única.
Vencedor em 1997 do Prêmio Camões, o maior reconhecimento literário da língua portuguesa, Pepetela tem a história angolana como pano de fundo para suas ficções, abordando temas como o colonialismo, a luta pela independência e a guerra civil angolana.
O escritor esteve no Rio de Janeiro para lançar o livro O Planalto e A Estepe (Editora LeYa) na Bienal do Livro.
Ele deve o apelido aos tempos da luta na guerrilha pela independência de Angola, conquistada em 1975. "Pepetela" é a tradução de "Pestana", um de seus sobrenomes, para idioma quimbundo.
"Eu não tinha um codinome de guerra e os camaradas traduziram o meu nome. Ficou muito mais bonito. Então pronto, hoje sou conhecido com esse nome", diz.
BBC Brasil - Como o senhor vê as relações entre Brasil e Angola?
Pepetela - As relações estão mais desenvolvidas do ponto de vista político e econômico, e também no trânsito de pessoas de um lado para o outro. Nesse aspecto deveria haver uma maior fluidez. Nem é por mal, mas por uma questão da burocracia angolana, demora-se muito tempo para conceder vistos.
Ultimamente, o Brasil também está retaliando. Agora, um angolano tem de pedir o visto brasileiro com um mês de antecedência. É retaliação, também não resolve. Prejudica até empresas brasileiras, cujos trabalhadores têm dificuldade em ir trabalhar lá. Prejudica Angola, portanto, porque a empresa não está a trabalhar como deveria.
Mas penso que a parte cultural é onde há menos relacionamento, e deveria ser mais intenso. É verdade que alguns escritores (angolanos) vêm ao Brasil, e escritores brasileiros vão a Angola, ainda que raramente. Às vezes vai um músico, sai um livro, aparecem algumas coisas. Mas é muito pouco, tinha que ser muito mais.
BBC Brasil - Ainda há uma disparidade grande na imagem que um país tem do outro?
Pepetela - Existe, sim. Os angolanos olham para o Brasil, mas os brasileiros de um modo geral não olham para Angola. Desconhecem, não sabem que existe, isso é muito desigual. Os angolanos, em seu imaginário, têm o Brasil como uma das referências principais, ao passo que os brasileiros não têm a Angola sequer como uma referência.
BBC Brasil - Durante debate na Bienal do Livro, o senhor falou no Brasil como "o irmão mais velho". O que isso representa para Angola?
Pepetela - Mas é realmente, o Brasil é o irmão mais velho. É o país que se libertou primeiro, e que nós sempre vimos o Brasil como um irmão realmente – e não é só a minha família, que já tinha ligações com o Brasil, isso ocorre de um modo geral, entre as populações da costa angolana.
Para alguns, era só o país do samba. Para outros, era o país do Pelé. Mas, de qualquer modo, havia um afeto particular pelo Brasil.
Por exemplo, nos campeonatos do mundo de futebol, os angolanos torcem pelo Brasil. Isso vem de muito tempo. Será porque é o melhor futebol, o futebol mais bonito? Será só isso, ou será uma reminiscência de tempos antigos, em que a relação com o Brasil era a principal?
BBC Brasil - O senhor diz que o Brasil "colonizou" Angola durante 150 anos. Como explica essa ideia?
Pepetela - Até a independência do Brasil, 100% das exportações de Angola eram para o Brasil. A maior parte eram escravos, mas também havia outros produtos, marfim, até cera de abelha.
Então, a relação com Portugal era feita a partir do Brasil. Os barcos iam de Angola para o Brasil e de Brasil para Portugal. Pessoas vinham até se tratar no Brasil. O primeiro poeta angolano com livro publicado veio tratar-se de uma tuberculose aqui ao Rio de Janeiro. Isso há 200 anos.
Mas essa "colonização brasileira" acabou em 1822. Depois da independência do Brasil, deixou de haver essa relação tão próxima.
BBC Brasil - Neste ano, o mundo está vendo muitas mudanças a partir das revoltas da Primavera Árabe. Como esses movimentos foram vistos em Angola?
Pepetela - O regime assustou-se. Não era caso para susto, mas nitidamente o regime assustou-se.
Nós temos um regime presidencialista, com um partido dominante, que nas últimas eleições teve 82% (dos votos). Esse partido (Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA) venceu primeiro a luta de libertação contra os portugueses e depois a guerra civil, que terminou há nove anos, e tem uma máquina que consegue controlar o Estado e o país.
A oposição é muito fraca. Nas regiões onde conseguiu tomar o poder militarmente, oprimiu mais talvez do que o governo, e portanto a população afastou-se da oposição.
De qualquer maneira, é um governo ainda um pouco autoritário, embora democrático nas palavras e nos textos. E teve medo realmente do que aconteceu no norte da África.
BBC Brasil - O senhor acredita que manifestações contra o governo podem ganhar força?
Pepetela - Ainda ontem (sábado, dia 3) houve uma manifestação em Luanda. Os números, dependendo dos jornais, vão dizer que eram 100 ou 300 pessoas. Pequena coisa. Mas, em vez de deixarem fazer a manifestação, a polícia impediu quando os manifestantes quiseram sair da praça.
Então houve confrontos e alguns feridos ligeiros. Não foi muito violento, mas houve violência, e acho que não é preciso. É melhor deixar sair o vapor da panela do que fechar completamente.
Penso que ainda não há condições no país para uma espécie de revolta de rua conseguir grande coisa. Podem partir algumas coisas. É o que aconteceu em Londres, o quebra-quebra. Isso não muda regimes, mas pode acontecer. Mas uma revolução neste momento em Angola, penso que não há condições.
O povo não quer confusão. Houve 40 anos de guerra. Todas as famílias sofreram com esta guerra. Ninguém quer violência neste momento. E por isso acho que o governo não devia usar de violência, mesmo que ligeira, para com 300 manifestantes que fossem. Deixem fazer manifestações, deixem fazer todos os sábados, é bom.
BBC Brasil - A presença de empresas brasileiras está crescendo em Angola. Qual é a percepção disso no país?
Pepetela - É bem aceito, as empresas brasileiras têm um bom prestígio. Houve uma mudança grande. As primeiras empresas que tiveram contratos com Angola eram comerciais, quiserem ganhar dinheiro rapidamente, e os produtos eram muito ruins. Isso fez com que durante anos os angolanos não quisessem importar do Brasil. Diziam que os produtos de Portugal podiam ser mais caros, mas eram melhores. Isso começou a ser resolvido.
Mas curiosamente, talvez haja mais produtos brasileiros em Angola sendo levados pessoalmente do que através de uma exportação legal. Há muitos voos de Luanda para o Rio de Janeiro e São Paulo. Os voos chegam cheios de gente que vêm comprar coisas aqui (no Brasil), enche duas malas e vai vender lá. Sobretudo roupas ou adereços. Pulseiras, colares, aqui no Brasil são baratos que acolá. Há muita gente vivendo disso, fazendo a ponte aérea das mercadorias. Isso também é uma forma de relacionamento.
BBC Brasil - O crescimento da presença econômica do Brasil gera algum tipo de resistência entre os angolanos?
Pepetela - Não, isso não existe. Mas esqueci uma coisa importante. Há uma relação que também é desigual, da televisão. Nós lá vemos a Record, a Globo, e agora a Bandeirantes também. As telenovelas passam constantemente. Aqui, evidentemente, não se vê televisão angolana.
Há também uma forte presença brasileira na religião, nas igrejas evangélicas. Principalmente da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem centenas de templos em Angola.
Cada um pode ter sua opinião sobre religiões, mas as pessoas que creem têm uma boa visão do Brasil. É um refúgio espiritual que os brasileiros estão levando. Portanto, isso também reforça a vontade dos angolanos virem cá conhecer.
BBC Brasil - A presença da China vem crescendo em países africanos, tirando espaço de países europeus e dos Estados Unidos. Esse crescimento é especialmente forte em Angola. O que esses investimentos representam para o país?
Pepetela - Isso permitiu que a Angola dissesse não ao FMI. Aliás, o FMI já estava em Angola sob condições que o país tinha imposto. Mesmo assim, depois dissemos não, não precisamos de vosso dinheiro, não queremos, acabou.
Por esse lado, (a presença da China) permitiu uma certa independência. A China está fazendo muita coisa lá no nível da construção civil. Construindo edifícios, ferrovias, pontes, cidades inteiras. Ainda agora foi inaugurada uma cidade nova, absolutamente nova.
Fundamentalmente, o que os chineses fazem é comprar o petróleo e construir. Em 40 anos de guerra, as estradas estavam todas estragadas, as pontes estavam partidas. Hoje não, já se pode circular para todos os lados do país em estradas asfaltadas, com boas pontes. Neste aspecto foi bom. Embora haja alguma desconfiança sobre a qualidade das obras dos chineses.
BBC Brasil - Há uma preocupação de essa influência estar crescendo muito em Angola?
Pepetela - Eu noto que há muita preocupação em relação aos chineses vinda de meios europeus. Sobretudo os franceses e os portugueses – que são os que têm mais interesses em Angola – estão constantemente falando da presença chinesa.
Claro, os portugueses levaram uma grande pancada na construção civil. As empresas chinesas trabalham mais depressa e muito mais barato. Eu até penso que não melhor, mas são mais rápidas e mais baratas.
A França está vendo a China entrar na África e está perdendo completamente a sua influência no continente. E a China é uma alternativa a esse poder francês, de maneira que (os franceses) fazem uma campanha sistemática contra a China, em livros, jornais, televisão, cinema até. É uma campanha incrível, mas acho que não adianta muito.
Não sei o que o futuro vai dizer, depende muito da política da China, o que eles querem. Eles por tradição não são colonizadores. Eles penetram em todo o mundo, fazendo negócios. Não me parece que queiram um domínio, pelo menos por enquanto.
Agora, claro que vão se opondo aos americanos. É um novo foco. É bom. Antes só havia um, era só um império. Agora há outros focos, Índia, China, os tais Brics, o Brasil... isso distribui um pouco melhor o poderio mundial.

O preconceito do escritor peruano Mario Vargas Lhosa com os indígenas

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El presente texto es un capítulo del libro inédito Barbarie y modernidad: el Perú en la globalización capitalista
 
 


“La cultura precolombina carece de sentido para nosotros; no nos dice vitalmente nada. Existe un punto de vista, el nuestro, para el cual es plenamente ajena. Este punto de vista es el que podemos llamar americano. Para nosotros, americanos, la cultura precolombina carece de sentido vital”. Leopoldo Zea.


“El precio que debe pagar Perú por el desarrollo y la modernidad es la extinción de las culturas indígenas por que éstas no son más que un lastre antimoderno e irracional”. Mario Vargas Llosa.

“La inteligencia americana es un penacho indígena”. José Martí.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Educação: reprovada - Lya Luft



Educação: reprovada - Lya Luft
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12-SET-2011
artigo publicado em 11/9/2011 na Revista VEJA

Lya Luft

Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu apenas tente ser uma observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francos, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do "aprender brincando". Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em "reprovação, reprovado", pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
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Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, , já desiludiu, já perdeu a graça
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De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidade tem problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% tem dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos. Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis pois o estado não cumpre seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidente, é essencial para a nossa dignidade. Faxinar a ignorância que é outra forma de miséria - exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limite, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu. já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir à escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora disso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.
http://www.educacionista.org.br/jornal/index.php?option=com_content&task=view&id=10324&Itemid=43

sábado, 10 de setembro de 2011

Os 81 anos de ousadia do poeta Ferreira Gullar


POESIA

O maior poeta do Brasil

Ferreira Gullar atravessou todos os momentos da poesia brasileira e assegurou seu lugar entre os grandes do século 20

Bravo

12/03/2010 19:12

Texto
Almir de Freitas
Foto: ANA CAROLINA FERNANDES
Foto: Ferreira Gullar atravessou todos os episódios decisivos da moderna poesia brasileira

Ferreira Gullar oscilou entre a ousadia aberta e a prevenção contra os formalismos ocos

http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/ferreira-gullar-540147.shtml


Sobre Ferreira Gullar, ninguém menos que Vinicius de Moraes escreveu, em 1976, que se tratava do "último grande poeta brasileiro". Na época, o maranhense estava exilado em Buenos Aires, depois de cumprir um longo périplo - Moscou, Santiago, Lima - fugindo da mão pesada da ditadura militar. Ali, um ano antes, espremido entre os golpes no Chile e na Argentina, temendo "desaparecer" em meio à proliferação de ditaduras latino-americanas, Gullar tinha escrito a sua obra-prima, Poema Sujo (1975).

Poema-limite, vertiginoso na evocação da São Luís da infância do poeta, das histórias, personagens e sensações prestes a mergulhar no esquecimento da morte, Poema Sujo levaria o nome de Ferreira Gullar, de fato, ao panteão mítico dos grandes nomes da poesia brasileira, ao lado de Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e - à parte a modéstia do próprio - Vinicius de Moraes.

Se ele não era exatamente o "último" naquela época, hoje não são poucos os que o consideram o maior poeta vivo do Brasil - e não apenas pelo impacto de Poema Sujo. Nascido José Ribamar Ferreira no dia 10 de setembro de 1930, o também dramaturgo, ficcionista e crítico não é um mero sobrevivente de uma era que passou. Ferreira Gullar é, antes, um intelectual e um escritor a quem não falta o gosto pelo estudo, pelo debate e, sobretudo, pela poesia.

São 60 anos de carreira, período em que ele atravessou, ativamente, todos os episódios decisivos da moderna poesia brasileira. Da mesma maneira que sua obra se localizou em algum ponto entre dois extremos - o lirismo e a sordidez, o local e o universal, a multidão de vozes e a solidão -, sua trajetória revela um poeta que oscilou entre a ousadia aberta e a prevenção contra os formalismos ocos.

Parafraseando Caetano Veloso, pode-se dizer que Ferreira Gullar "entrou em todas as estruturas e saiu de todas", num movimento contínuo de experimentação de sintaxes em busca do aperfeiçoamento da própria voz - uma busca pelo novo em que ele nunca perdeu de vista suas origens. Foi assim desde quando, ainda no Maranhão e incrivelmente atrasado em relação aos modernistas, Ferreira Gullar estreou na literatura, em 1949, com as redondilhas, decassílabos e alexandrinos de Um Pouco Acima do Chão, livro de lustroso sotaque parnasiano.

"Talvez eu nasça amanhã", diz o último verso do último poema desse livro que ele, mais tarde, renegaria. Como se cumprisse uma profecia, o poeta, já vivendo no Rio de Janeiro, abandonou a régua e a rima no livro A Luta Corporal (1954). E o fez com autoridade e desassombro: na concepção de uma poesia visual, formada por estilhaços de palavras que exploravam novas possibilidades sonoras, Gullar não apenas superava certo prosaísmo que rondava a poe­sia do modernismo da época, como também antecipava os procedimentos do concretismo.

Poeta visceral, ele, contudo, desembarcou do movimento atirando contra a racionalização "matemática" promovida pelo grupo paulista - Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos à frente. O racha provocou uma das cizânias mais persistentes e ferozes da literatura brasileira, até hoje responsável por uma resistência a Gullar em certos círculos de São Paulo. O ciclo, poém, estava estabelecido.

Inovador mas avesso ao dogma, Gullar deu prosseguimento, na prática, à profunda reflexão sobre o papel da poesia. Em 1959, lançou as bases do movimento neoconcreto, a partir do qual construiu o corpo principal de sua (polêmica) abordagem das artes plásticas. Já nos anos 60, ingressou no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes, iniciando uma fase "popular" e engajada politicamente, cujas ramificações se estenderam ao teatro.

Mas, se as frias ortodoxias estéticas não serviam a Gullar, o mesmo se aplicaria às normatizações de uma arte concebida como assessório da revolução social. Na soma dessas idas e vindas, forjou a poesia que conquistaria Vinicius de Moraes. Naquele ano de 1976, foi Vinicius quem trouxe ao Brasil a fita cassete gravada pelo próprio Ferreira Gullar com Poema Sujo, promovendo "sessões" no Rio de Janeiro para exibir a todos a poesia "orgânica, crua, fecunda, emocionante" daquele intelectual maranhense que, no exílio, procurava traduzir a totalidade de sua própria existência.

O curioso é que a crueza de Poema Sujo - e também de Dentro da Noite Veloz (1975) - teve a capacidade tanto de elevar Ferreira Gullar àquele panteão mítico de poetas quanto de aproximá-lo (por conta das circunstâncias, inclusive) da "poética deliberadamente impura da poesia marginal", na expressão do crítico José Guilherme Merquior. Nesse momento, Ferreira Gullar, que voltaria ao Brasil em 1977, ainda trafegava naquele território entre os extremos. Viveu os movimentos do seu tempo, apontou caminhos, experimentou. Mas sempre, ontem como hoje, desempenhando o papel de tradutor de sua própria história, a de um homem que - como todos - está num ponto difuso entre a infância e a morte.