Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

LIVROS E AUTORES CLÁSSICOS: Câmara Cascudo, grande folclorista brasileiro

Hoje faz aniversário o grande folclorista brasileiro Luis Câmara Cascudo. 


Amigo e discípulo de Luís da Câmara Cascudo, Veríssimo de Melo revelou o lado humano do escritor, em depoimento publicado no Jornal do Commércio, do Recife, e posteriormente em livro :
     “Em Cascudo, o que mais me interessava era a sua permanente alegria de viver. Dentro ou fora de casa, nas reuniões de intelectuais ou gente do povo em geral, Cascudo demonstrava sempre uma alegria esfuziante. Ninguém poderia comparar-se a ele nesse particular. Criava coisas muito mais próprias de meninos danados do que de gente grande e austera”.

Abaixo para degustação, um pouco de Câmara Cascudo. Achei no blog http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/actadiurna/.

Parabéns Cascudo!!!
E a você leitor, tenha uma boa viagem pelo Rio de Janeiro das modinhas de Câmara Cascudo!!!

Jonas Banhos

Lendo um livro de canções 0

Editado por J. Ribeiro dos Santos, Rio de Janeiro, 1911, encontrei entre livros velhos essas Canções Populares do Brazil com Z, como então era de bom uso.
Foi uma leitura-viagem porque as modinhas voltaram a lembrar-me que a memória inconscientemente as guardara. Pude identificar a origem dessa reminiscência.
Tínhamos um gramofone, de imensa bocarra, e uma boa pilha de discos. O vozeirão atroava, anunciando:- Casa Branca da Serra, cantada pelo Mário, para a Casa Edison, Rio de Janeiro…
E vinha, às vezes, o endereço que não esqueci:- Rua do Ouvidor, cento e cinco!
Volto a ler e quase a ouvir as modinhas e as chulas do passado. O Vago Mestre. Ninguém o recorda mais:
Cigarro no queiro,
Chapéu desabado,
Faca na cinta,
Cacete na mão,
Gingando na rua
Com ar insolente,
Provoca a polícia,
Tomando o facão!…
Modinhas sentimentais entoadas com enfástica prosódia, pernóstica e saudosa:
Nessa pralha de límpidas arelhas!…
Prauteadas á noite pela lua…
Chico Botelho cantando o
Quis debalde varrer-te da memória
E o teu nome arrancar do coração.
Modinha preferida pelo Senador Pedro Velho que sabia acompanhá-la ao piano, no sabor sereneiro da velha Bahia onde estudara.
Luís Ávila arremedando os capadócios, ao som do piano onde Teodorico Guilherme fazia misérias.
Haverá entonces de sê só minha
Esta fada, esta fada tão fermosa!
Como estrela, presa ao céu
Na fresca gaia, na fresca gaia é Cuma a rosa!
E repetia-se, num ritornelo garganteado, terminando em fermata do tenor napolitano. Impossível esquecer o sucesso…
E Segundo Wanderley, indispensável, do Poeta e a Fidalga:
Tu passas indiferentes
Por sobre os fundos pezares,
Tens nalma os gelos polares,
Em vez da luz do equador…
E ainda a famosa Não és tu, que meu Pai acompanhava ao violão e cantara ainda rapaz:
Não és tu quem eu amo, nem Laura,
Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês!
A mulher que minh’alma idolatra
É princesa do império chinês!…
Lindo! Já não existem princesas nem Império Chinês, mas a velha modinha tudo ressuscita, numa dolência suave de crepúsculo:
Acorda, Adalgisa
Que a noite desliza,
Vem ver o luar!…
Também Catulo da Paixão Cearense cantava seus versos:
Vê que amenidade,
Que serenidade,
Tem a noite em meio…
Vamos parar. Essas vozes ainda ressoam no Ontem ao Luar na Rádio Nordeste, dando vida às mortas sonoridades. Grácio Barbalho está com um programa delicioso, Museu de Discos, documentando musicalmente e recente passado. Ouvinte de ambos, fecho agora o volume mágico dos sereneiros mortos, volume de 48 anos vividos.
Ferreira Itajubá tem um soneto que termina afirmando:
Que mal me trouxe esse postigo aberto!…
De minha parte, guardando o Canções Populares do Brasil, penso:
Que mal me trouxe esse livrinho aberto!…
Luís da Câmara Cascudo
A República, 19 de Novembro de 1959

Nenhum comentário:

Postar um comentário