"A grande obra de Eduardo Galeano tem o mérito de despertar uma amarga e autêntica indignação pelos genocídios cometidos em nome da religião, da liberdade e do progresso, durante o processo que se iniciou com a conquista da América e que ainda não acabou. Escrito em 1970, e posteriormente corrigido e aumentado em 1978, este livro marcou toda uma geração de jovens leitores em um momento particularmente difícil da história latino americana. Entre a primeira edição e as suas revisões posteriores surgiram e caíram diversos governos do tipo "popular", em meio a Revolução Cubana e o início da feroz repressão desencadeada pelos regimes militares egressos da Escuela de las Americas.
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A crueldade da repressão das ditaduras militares que aconteceram logo na primeira edição deste livro só pode ser comparada a inigualável violência da conquista. O otimismo sobre o possível futuro no final dos anos 60 fazia com que aquelas atrocidades parecessem relíquias pré-capitalistas, irracionais desdobramentos de violência baseados na sede de metais preciosos de fidalgos espanhóis e a fome de interesses dos bancos europeus. A brutalidade dos governos militares da Argentina e do Chile, para citar dois exemplos, vinha a desmentir as teorias do progresso pacífico, e a obscurecer o horizonte socialista.
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A intelectualidade latino-americana, exilada em sua maioria, teve muitos problemas para assimilar esta realidade. Esse é um interessante ponto de vista para reconsiderar a leitura de "As Veias Abertas" com uma perspectiva histórica, e re-apropriar-se criticamente da tradição revolucionária latino-americana. Galeano mesmo nos previne do caráter divulgativo da obra, desde um "autor especializado" até um público leigo. Devemos esclarecer que esta prevenção aparece no capítulo "Sete anos depois", ausente na primeira edição, e que seguramente responde as impugnações contemporâneas que foram feitas nos setores acadêmicos.
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Muitas das concepções transmitidas no texto têm sido rebatidas teoricamente em várias disciplinas, como o "determinismo geográfico" do desenvolvimento desigual das Américas latina e anglo-saxônica (a abundância e escassez dos recursos naturais, respectivamente), o "circulacionismo" que não consideram o tráfico de ouro e prata como produtos do trabalho, e o "revisionismo histórico" que crê ver desenvolvimentos nacionais e populares sabotados pelo imperialismo britânico no século XIX. Todavia, isso não deve reduzir o mérito nem da obra nem do autor.
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O valor de "As veias abertas" reside em seu caráter sintético, na compilação de dados, e, sobretudo em seu testemunho. A emocional e cuidadosa pena de Galeano revolve a putrefação que o capitalismo tem tentado sempre ocultar, a violência explícita das relações sociais capitalistas, fazendo chegar sua pestilência até o nariz do leitor. Se já estiver farto de exaustiva teoria, saiba que é a experiência prática do autor, que viajou e conheceu as entranhas da América Latina, que o autoriza a denunciar as atrocidades do capitalismo. É, acima de tudo, um livro mobilizador."
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