Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O encantador de palavras


O encantador de palavras
Regina Ribeiro - O Povo Online - 17/09/2011
O diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura/Fundação Biblioteca Nacional, Fabiano dos Santos  é um cearense que desde menino gosta das palavras. Ouvia histórias da avó, da mãe e do pai. Mais tarde, se tornou escritor. No Ceará, foi um dos responsáveis pelo projeto Agentes da Leitura, que se transformou num programa nacional, em parceria com estados e municípios. Em Fortaleza, o edital para seleção dos agentes da leitura está com inscrições abertas até 13 de outubro.

Fabiano dos Santos anuncia mais duas novas bibliotecas para cidade, em parceria com a Seculftor. Fortaleza é uma das cidades com uma estatística crítica: tem apenas uma biblioteca pública municipal para cada 1 milhão de habitantes. Ele anuncia ainda cinco editais com bolsas para escritores e projetos de leitura. Em passagem por Fortaleza para participar da II Feira do Livro Infantil, Fabiano concedeu a seguinte entrevista ao O POVO.

O POVO. Como você se tornou um leitor e mais tarde escritor?Fabiano - Eu tinha uma avó que contava histórias encantando as palavras, um pai que conta histórias sem medir as palavras e uma mãe que lê nas entrelinhas das palavras. Aquilo me encantava e foi vital na minha formação leitora. Tomava suas vozes emprestadas. Mãe lia para a gente dormir, Vó contava para a gente acordar para o mundo e Pai narrava suas aventuras como se sua vida fosse um romance de cordel. Queria ser poeta e fui me tornando leitor assim, embrenhando-se no mundo que mora dentro e fora das palavras. Pois sou daqueles que acreditam que as palavras podem fazer coisas com a gente, mas que também podemos fazer coisas com as palavras. Agora estou em stand-by. O escritor só vai sair da gaveta, depois que deixar o cargo e essa travessia provisória como Diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do MinC/FBN.

OP -  Aqui no Ceará, você foi um dos responsáveis pelo projeto Agente de Leitura que se tornou um projeto nacional do Ministério da Cultura. Qual o impacto que esse tipo de projeto tem no real hábito de leitura das comunidades?
Fabiano - O Ceará tem uma história de pioneirismo interessante. Primeira academia de letras do país, primeira província a abolir a escravidão, primeiro estado a instituir o Selo UNICEF. Aqui nasceu os Agentes Comunitários de Saúde e, bem depois, em 2006, os Agentes de Leitura da Secretaria de Cultura do Estado. Ambos se transformaram em política pública nacional. No caso dos Agentes de Leitura estamos apenas no começo do programa do MinC numa parceria com os ministério da Educação e Desenvolvimento Social. O que posso destacar em linhas gerais é que os Agentes de Leitura atuam nos três ambientes vitais para a formação de leitores: a família, a escola e a biblioteca pública. Trata-se de uma política pública integrada de cultura, educação, juventude e inclusão social. Que impactos podemos esperar? A qualificação profissional de jovens entre 18 e 29 anos por meio de formação continuada; a geração de trabalho e renda através da bolsa de formação de R$ 350,00 para os agentes; a criação de ambientes favoráveis para fruição cultural e formação de leitores por meio de socialização de acervos literários nas famílias, bibliotecas e escolas.

Agentes de Leitura criam ambientes favoráveis para a formação de leitores dentro das casas, nos seios das famílias e nas vidas das pessoas. Isso impacta diretamente no processo de aprendizagem escolar das crianças atendidas. Verificamos  esse resultado no projeto dos Agentes de Leitura do Ceará. Agora, vamos aprimorar a mediação desse impacto numa parceria de avaliação dos resultados com o MEC e o IPEA, da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

OP - Atualmente, o projeto está espalhado por vários municípios. Aqui no Ceará os Agentes da Leitura envolvem quase meio milhão de reais? Quando o projeto começa efetivamente?
Fabiano - Todos os editais são realizados pelos estados e municípios conveniados. Trata-se de um investimento global de 28,0 milhões, sendo 20,0 milhões do MinC/MEC e 8,0 milhões de contrapartida dos estados e municípios para a formação e atuação de 4000 Agentes de Leitura em torno de 400 cidades distribuídas pelo Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo. Em Fortaleza, o edital com a Secultfor está aberto até o dia 13 de outubro para jovens entre  18 e 29 anos, que tem o ensino médio completo e que moram nos bairros Barra do Ceará, Pirambu, Serviluz, Titanzinho, Autran Nunes, Maria Tomásia e Jangurussu.

OP - Fortaleza ganhará mais duas Bibliotecas. Como é esse projeto? 
Fabiano - São bibliotecas de referência. Esse projeto de construção de bibliotecas públicas partiu de estudo comparativo que a Diretoria do Livro, Leitura e Literatura realizou em torno da proporção do número de bibliotecas existentes com a população das grandes cidades brasileiras. Temos uma cidade como Curitiba que tem uma média de uma biblioteca para cada 35 mil habitantes, e cidades como Recife, Manaus, Belém, Salvador, Fortaleza que essa proporção chega ao extremo de uma biblioteca pública municipal para 1 milhão de habitantes. A partir disso, elegemos seis capitais com essa proporção mais crítica e procuramos seus gestores para viabilizarmos o projeto de construção de bibliotecas nas periferias. De imediato a prefeita Luiziane Lins e a Secretária de Cultura Fátima Mesquista  incorporaram o projeto e estão sendo construídas duas bibliotecas: uma no Conjunto Ceará e a outra no Autran Nunes. Essas bibliotecas são de pequeno porte, mas partem do princípio de centros culturais dinâmicos e de interação com as comunidades. Isso, desde o inicio do processo.

OP - A presidente Dilma assinou o decretou que cria o Plano Nacional de Livro e Leitura – PNLL. O que isso significa na prática e como vai funcionar o Fundo Pró-Leitura?Fabiano -  Nós temos uma Presidente que leu Dostoievsky e que reconhece o papel que o livro e a literatura exerceram na sua formação e exercem em sua vida. Portanto, além da função simbólica que foi a assinatura do Decreto, temos a inserção da política de livro e leitura na agenda presidencial. Também  significa um avanço enorme em torno da institucionalização das políticas públicas de livro e leitura no país. Antes o Plano era uma portaria interministerial do MinC e do MEC. Não podemos pensar em políticas publicas sem seus marcos legais. Daí, que o próximo passo, como a própria Presidenta assinalou na ocasião da assinatura do decreto, será o envio para o Congresso Nacional para que seja aprovado enquanto lei. Mas isso tudo só fará sentido e terá êxito, se for uma construção social e coletiva envolvendo vários atores, onde estado e sociedade atuem integrados nesse processo.

OP - Há 10 anos o número de encontros literários no País cresceu numa velocidade muito maior do que o número de leitores. Por outro lado, o mercado editorial se mostra aquecido. É uma conta que não fecha. O que acontece com esse cenário?
Fabiano - Em entrevistas recentes, dois grandes editores brasileiros lamentavam que o mercado editorial brasileiro produz muito mais do que consegue vender. Mesmo assim, há uma produção elevadíssima e o mercado continua em expansão. Embora se produza mais do que se comercializa, o setor continua aquecido, aumentando sua produção e faturamento anual. Segundo a última pesquisa da FIPE (Fundação Fabiano - Instituto de Pesquisas Econômicas), foram produzidos em torno de 23% a mais de livros do que em 2009. No entanto, o crescimento em cópias vendidas foi de 13%. Como não tem havido queda no faturamento, o mercado vem se comportando assim, produzindo mais do que pode consumir. Parece que virou uma ciranda louca de lançamentos intermináveis movidos pela necessidade da novidade que nasce para disputar as vitrines das grandes livrarias, na velha lógica de publicar em excesso para que os sucessos editorias possam compensar os fracassos que ficam encalhados, acumulando os espaços dos armazéns das editoras ou esperando para serem transformados em aparas. Enquanto isso, embora a mesma pesquisa tenha apontado uma queda no preço do livro, ele ainda é muito caro, quase inacessível para a classe C que vem aumentando seu poder aquisitivo.

O mais curioso das entrevistas com os dois grandes editores, é que nenhum deles apontou a questão da leitura e da formação de leitores. Restringiram suas análises à lógica do mercado (produção, distribuição, comercialização, estocagem) e constataram a superprodução. É como se o mercado se satisfizesse com o público leitor no país que não passa de 25% ou de um público consumidor de livros que é menor ainda. Isso para mim tem nome: miopia. Ou se preferirem, falta de visão estratégica de desenvolvimento e de compromisso social do setor privado com a construção de uma nação de leitores.

Por essa razão, ao mesmo tempo em que o Governo Federal está lançando o programa do Livro Popular, – que será gerido pela Fundação Biblioteca Nacional com o objetivo de fomentar a produção e comercialização de livros a preços acessíveis (no máximo de R$ 10,00) nas livrarias e pontos de vendas diretos ao público consumidor – está ampliando também os programas de incentivo à leitura, como o PROLER e os Agentes de Leitura. Então, penso que uma política pública não pode se resumir ao L de livro. Ela tem que abranger com o L de leitura, L de literatura, L de leitor
.

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