Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Fuja da Escola! por André Camargo

Como seria o mundo se as crianças e adolescentes não precisassem frequentar escolas? Mais livre, criativo e espontâneo? Anarquia 2.0? O planeta dos macacos?



Sou professor em Faculdade de Pedagogia e também no Pós-graduação - nos cursos de Psicopedagogia, Educação Infantil e Pedagogia Hospitalar. Todas as minhas alunas(os) são professoras(es), a maior parte - mas não todas - em escola pública. Afirmo: os ecos do interior das escolas que nos chegam através da mídia não nos deixam perceber de fato o estado de calamidade em que se encontram.

Estou convencido de que o modelo atual entrou em colapso. Os ambientes escolares, com raras exceções, passaram a ser locais de sofrimento e adoecimento. Nunca houve tanta licença psiquiátrica entre trabalhadores da educação - educadores e funcionários - especialmente devido a crises de depressão e pânico. As crianças estão sendo diagnosticadas e medicadas cada vez mais, e cada vez mais novinhas, também com depressão e pânico. Isso é muito sério! Sem falar na epidemia de diagnósticos questionáveis de TDAH - e a Ritalina, que funciona como mordaça química para forçar a adaptação a um sistema hostil.



Fora isso, há as recorrentes explosões de violência, bullying, perseguições, agressões físicas e verbais, assassinatos, assédios, ameaças veladas e os massacres como o de Columbine ou o de Realengo. Basta retirar a peneira da frente dos olhos para ver. As pessoas estão literalmente enlouquecendo diante da falta de sentido - e do excesso de tensão entre os muros da escola.

Por quê?

Sempre houve Educação, isto é, as gerações mais antigas sempre se encarregaram de apresentar a vida e o mundo às gerações que seguem, indicar caminhos, inseri-los em uma tradição cultural. Nem sempre, porém, houve escola. Ao longo da maior parte da história da humanidade, a educação acontecia no mundo. A escola foi concebida, neste formato atual, recentemente, no bojo de um período histórico em que se considerava uma boa ideia concentrar as crianças e adolescentes em instituições fechadas, afastadas do mundo, para que não se distraíssem. Eram treinadas a suportar imóveis longas horas de chatice, como estratégia para se adaptarem aos longos turnos de trabalho nas indústrias. Trata-se de uma lógica da segregação, aliada a uma doutrina da submissão - as crianças são despejadas em um mundo à parte e treinadas, desde cedo, a se ajustar e obedecer.

As escolas institucionalizam, burocratizam e massificam o impulso natural e criativo das crianças à exploração do ambiente, à descoberta da natureza, do outro e de si.

Dois problemas fundamentais: em primeiro lugar, trata-se de uma lógica estúpida: mantemos as crianças e adolescentes fechados, afastados da vida cotidiana para aprender sobre... a vida!? É como querer treinar um nadador mantendo-o longe da piscina...

O segundo problema: o mundo de lá para cá mudou demais. É insustentável manter este modelo embolorado nos dias de hoje. Os alunos e alunas não suportam - nem @s educador@s.

Disse o Mario Sergio Cortella (provavelmente inspirado em Foucault): há lugares que têm portas para as pessoas não entrarem – como os cinemas, teatros e estádios de futebol; e há lugares que têm porta para as pessoas não saírem: como as penitenciárias, os hospícios e as escolas.

Que fique claro: não estou me referindo às diferentes abordagens pedagógicas: tradicional, cognitivista, humanista, libertária, democrática, construtivista etc. Este texto é para falar da Escola, de quanto não faz sentido manter as crianças em instituições fechadas e artificiais, enquanto um mundo vivo e vibrante como nunca na história acontece lá fora.

A Escola e a sala-de-aula são uma péssima estratégia para a educação. A cultura atual, em contrapartida, oferece recursos em redes (físicas e virtuais) e oportunidades extraordinárias de aprendizagem e crescimento por meio de cursos livres, cinemas, teatros, museus, bibliotecas, documentários etc. (muitos até gratuitos) que não podem ser usados por crianças e adolescentes porque estão perdendo seu tempo em um local asséptico e isolado do mundo, a sala de aula.



Quem tem acesso a banda larga, dispõe de um volume de conteúdos de alta qualidade, gratuitos, (Universidades abertas, Ted, Khan Academy, V-educa, MIT Open Course Ware, Wikipedia, videos e tutoriais do YouTube etc.), em quantidade maior até do que poderá ser capaz de esgotar até o final da vida. E isso só hoje, sem contar os próximos anos. Trata-se de um manancial quase infinito de saber, impossível de ser explorado nos limites estreitos das salas de aula, conduzidas por professores sobrecarregados e desestimulados. E as pessoas não têm tempo de explorar a rede mundial de computadores, porém, fonte potencial de grande crescimento e desenvolvimento, porque estão presos em salas de aulas, expostos a provas e tarefas incessantes para memorizar conteúdos que, em grande parte, não têm nada a ver com suas vidas nem terão qualquer utilidade prática. A criança e o adolescente vivem a escola como um ambiente que os mantém afastados do que realmente importa.

Por que não deixá-los assumir a responsabilidade de escolherem guiar-se pelo coração - pelos seus desejos e anseios mais íntimos? Precisamos parar de subestimá-los e interromper o longo processo de infatilização a fim de que sejam capazes de desenhar o próprio ser e seu percurso pela vida a partir de si mesmos. Para que cada um se torne o que é.

Não será possível criar um modelo desinstitucionalizado, aberto e flexível usando os recursos que a sociedade já oferece? A UMAPAZ, universidade aberta no Parque Ibirapuera, com cursos, vivências e oficinas de educação socioambiental; o Masp, o MAM, o Sistema Municipal de Bibliotecas, os centros culturais do Itaú e do Banco do Brasil; a Casa do Saber e a Escola São Paulo, a Cinemateca, os SESCS, festivais de aprendizagem como o Hub-Escola, entre tantos outros, podem se tornar centros de formação onde as pessoas aprendem conteúdos relevantes, atualizados e vivos, no contexto adequado.

Também seria desejável adaptar os locais de trabalho, produção e prestação de serviços; a coletividade pode se organizar para acolher em seus espaços os aprendizes, evitando delegar para a instituição escolar toda a responsabilidade pela formação das novas gerações. Todos somos responsáveis. Ao trazê-los de volta à vida cotidiana e à convivência comunitária ampla, suspendemos a moratória que lhes impomos, congelando-os em estado de preparação para um futuro que nunca chega. O momento que importa é o momento presente.

Abaixo os muros da escola! Espalhemos os ambientes de aprendizagem e formação. Articulemos bairros-escola, cidades-escola, fazendas-escola, locais onde aprendemos na vida e para a vida. A sala de aula é a comunidade; a escola é o mundo.

Para viabilizar uma abordagem desescolarizada da educação, do meu ponto de vista, os educadores deverão assumir a função estratégica de inspirar, refletir, encaminhar e acompanhar. São mentores, ou educadores-curadores. Encontram-se com os aprendizes individualmente ou em grupos pequenos, a intervalos regulares, e acompanham o processo de amadurecimento ajudando as pessoas a descobrirem seus talentos, interesses e potenciais. Apontam os caminhos possíveis para que cada um conduza por si o processo de se (re)inventar. O sujeito ativo do processo é sempre o aprendiz. O educador, não uma autoridade, mas um companheiro de jornada.

A Escola, por seu caráter disciplinar, conservador, age no sentido de manter as coisas como estão. O modelo de educação desescolarizado carrega o potencial de formar pessoas críticas, inteiras e autônomas, plenamente inseridas na cultura e no mundo. Poderá funcionar, portanto, como incubadora do mundo que queremos para nós.

Penso que este modelo que relativiza a hegemonia do sistema formal de educação e busca alternativas consistentes de formação humana em suas dimensões essenciais (e não apenas a intelectual), que insere na vida e na cultura (e não apenas na Academia e no mercado de trabalho) é uma realidade emergente, está borbulhando, e será conduzido pelas pessoas ousadas que enxergarem e tomarem as primeiras iniciativas. A hora é agora.


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