Como seria o mundo se as crianças e adolescentes não precisassem frequentar escolas? Mais livre, criativo e espontâneo? Anarquia 2.0? O planeta dos macacos?
Sou professor em Faculdade de Pedagogia e também no Pós-graduação - nos cursos de Psicopedagogia, Educação Infantil e Pedagogia Hospitalar. Todas as minhas alunas(os) são professoras(es), a maior parte - mas não todas - em escola pública. Afirmo: os ecos do interior das escolas que nos chegam através da mídia não nos deixam perceber de fato o estado de calamidade em que se encontram.
Estou convencido de que o modelo atual entrou em colapso. Os ambientes escolares, com raras exceções, passaram a ser locais de sofrimento e adoecimento. Nunca houve tanta licença psiquiátrica entre trabalhadores da educação - educadores e funcionários - especialmente devido a crises de depressão e pânico. As crianças estão sendo diagnosticadas e medicadas cada vez mais, e cada vez mais novinhas, também com depressão e pânico. Isso é muito sério! Sem falar na epidemia de diagnósticos questionáveis de TDAH - e a Ritalina, que funciona como mordaça química para forçar a adaptação a um sistema hostil.
Fora isso, há as recorrentes explosões de violência, bullying, perseguições, agressões físicas e verbais, assassinatos, assédios, ameaças veladas e os massacres como o de Columbine ou o de Realengo. Basta retirar a peneira da frente dos olhos para ver. As pessoas estão literalmente enlouquecendo diante da falta de sentido - e do excesso de tensão entre os muros da escola.
Por quê?
Sempre houve Educação, isto é, as gerações mais antigas sempre se encarregaram de apresentar a vida e o mundo às gerações que seguem, indicar caminhos, inseri-los em uma tradição cultural. Nem sempre, porém, houve escola. Ao longo da maior parte da história da humanidade, a educação acontecia no mundo. A escola foi concebida, neste formato atual, recentemente, no bojo de um período histórico em que se considerava uma boa ideia concentrar as crianças e adolescentes em instituições fechadas, afastadas do mundo, para que não se distraíssem. Eram treinadas a suportar imóveis longas horas de chatice, como estratégia para se adaptarem aos longos turnos de trabalho nas indústrias. Trata-se de uma lógica da segregação, aliada a uma doutrina da submissão - as crianças são despejadas em um mundo à parte e treinadas, desde cedo, a se ajustar e obedecer.
As escolas institucionalizam, burocratizam e massificam o impulso natural e criativo das crianças à exploração do ambiente, à descoberta da natureza, do outro e de si.
Dois problemas fundamentais: em primeiro lugar, trata-se de uma lógica estúpida: mantemos as crianças e adolescentes fechados, afastados da vida cotidiana para aprender sobre... a vida!? É como querer treinar um nadador mantendo-o longe da piscina...
O segundo problema: o mundo de lá para cá mudou demais. É insustentável manter este modelo embolorado nos dias de hoje. Os alunos e alunas não suportam - nem @s educador@s.
Disse o Mario Sergio Cortella (provavelmente inspirado em Foucault): há lugares que têm portas para as pessoas não entrarem – como os cinemas, teatros e estádios de futebol; e há lugares que têm porta para as pessoas não saírem: como as penitenciárias, os hospícios e as escolas.
Que fique claro: não estou me referindo às diferentes abordagens pedagógicas: tradicional, cognitivista, humanista, libertária, democrática, construtivista etc. Este texto é para falar da Escola, de quanto não faz sentido manter as crianças em instituições fechadas e artificiais, enquanto um mundo vivo e vibrante como nunca na história acontece lá fora.
A Escola e a sala-de-aula são uma péssima estratégia para a educação. A cultura atual, em contrapartida, oferece recursos em redes (físicas e virtuais) e oportunidades extraordinárias de aprendizagem e crescimento por meio de cursos livres, cinemas, teatros, museus, bibliotecas, documentários etc. (muitos até gratuitos) que não podem ser usados por crianças e adolescentes porque estão perdendo seu tempo em um local asséptico e isolado do mundo, a sala de aula.
Quem tem acesso a banda larga, dispõe de um volume de conteúdos de alta qualidade, gratuitos, (Universidades abertas, Ted, Khan Academy, V-educa, MIT Open Course Ware, Wikipedia, videos e tutoriais do YouTube etc.), em quantidade maior até do que poderá ser capaz de esgotar até o final da vida. E isso só hoje, sem contar os próximos anos. Trata-se de um manancial quase infinito de saber, impossível de ser explorado nos limites estreitos das salas de aula, conduzidas por professores sobrecarregados e desestimulados. E as pessoas não têm tempo de explorar a rede mundial de computadores, porém, fonte potencial de grande crescimento e desenvolvimento, porque estão presos em salas de aulas, expostos a provas e tarefas incessantes para memorizar conteúdos que, em grande parte, não têm nada a ver com suas vidas nem terão qualquer utilidade prática. A criança e o adolescente vivem a escola como um ambiente que os mantém afastados do que realmente importa.
Por que não deixá-los assumir a responsabilidade de escolherem guiar-se pelo coração - pelos seus desejos e anseios mais íntimos? Precisamos parar de subestimá-los e interromper o longo processo de infatilização a fim de que sejam capazes de desenhar o próprio ser e seu percurso pela vida a partir de si mesmos. Para que cada um se torne o que é.
Não será possível criar um modelo desinstitucionalizado, aberto e flexível usando os recursos que a sociedade já oferece? A UMAPAZ, universidade aberta no Parque Ibirapuera, com cursos, vivências e oficinas de educação socioambiental; o Masp, o MAM, o Sistema Municipal de Bibliotecas, os centros culturais do Itaú e do Banco do Brasil; a Casa do Saber e a Escola São Paulo, a Cinemateca, os SESCS, festivais de aprendizagem como o Hub-Escola, entre tantos outros, podem se tornar centros de formação onde as pessoas aprendem conteúdos relevantes, atualizados e vivos, no contexto adequado.
Também seria desejável adaptar os locais de trabalho, produção e prestação de serviços; a coletividade pode se organizar para acolher em seus espaços os aprendizes, evitando delegar para a instituição escolar toda a responsabilidade pela formação das novas gerações. Todos somos responsáveis. Ao trazê-los de volta à vida cotidiana e à convivência comunitária ampla, suspendemos a moratória que lhes impomos, congelando-os em estado de preparação para um futuro que nunca chega. O momento que importa é o momento presente.
Abaixo os muros da escola! Espalhemos os ambientes de aprendizagem e formação. Articulemos bairros-escola, cidades-escola, fazendas-escola, locais onde aprendemos na vida e para a vida. A sala de aula é a comunidade; a escola é o mundo.
Para viabilizar uma abordagem desescolarizada da educação, do meu ponto de vista, os educadores deverão assumir a função estratégica de inspirar, refletir, encaminhar e acompanhar. São mentores, ou educadores-curadores. Encontram-se com os aprendizes individualmente ou em grupos pequenos, a intervalos regulares, e acompanham o processo de amadurecimento ajudando as pessoas a descobrirem seus talentos, interesses e potenciais. Apontam os caminhos possíveis para que cada um conduza por si o processo de se (re)inventar. O sujeito ativo do processo é sempre o aprendiz. O educador, não uma autoridade, mas um companheiro de jornada.
A Escola, por seu caráter disciplinar, conservador, age no sentido de manter as coisas como estão. O modelo de educação desescolarizado carrega o potencial de formar pessoas críticas, inteiras e autônomas, plenamente inseridas na cultura e no mundo. Poderá funcionar, portanto, como incubadora do mundo que queremos para nós.
Penso que este modelo que relativiza a hegemonia do sistema formal de educação e busca alternativas consistentes de formação humana em suas dimensões essenciais (e não apenas a intelectual), que insere na vida e na cultura (e não apenas na Academia e no mercado de trabalho) é uma realidade emergente, está borbulhando, e será conduzido pelas pessoas ousadas que enxergarem e tomarem as primeiras iniciativas. A hora é agora.