Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Luiz Antonio Simas: O gurufim do Blecaute

Luiz Antonio Simas: O gurufim do Blecaute

'O enterro foi no São João Batista e um fã mais afoito encheu a cara, errou de cemitério e parou no Caju'

O Dia

O cantor Blecaute, um dos maiores intérpretes de marchinhas e sambas de Carnaval de todos os tempos, morreu no dia 9 de fevereiro de 1983 (há exatos 31 anos). O velório foi uma fuzarca das boas. Em certo momento um corneteiro solou, em andamento lento e tom fúnebre, o samba ‘General da Banda’, maior sucesso do falecido, com a solenidade exigida pela ocasião. Logo depois o da corneta se animou, atacou de ‘Maria Candelária’, a alta funcionária que saltou de paraquedas e caiu na letra ó, emendou com ‘Maria Escandalosa’, outro sucesso do cantor, e transformou o cemitério em um salão dos mais animados. À exceção do próprio Blecaute, todos os presentes, numa reação em cadeia, levantaram os dedinhos e caíram no sassarico.
Blecaute marcou seu nome na história da MPB
Foto:  Arte: O DIA
O lance mais inusitado da morte do Blecaute, entretanto, não foi o fabuloso baile no cemitério. Sei do acontecido porque um amigo do meu avô testemunhou o que passo a relatar. Acontece que o enterro foi no São João Batista e um fã mais afoito, disposto a se despedir do ídolo, encheu a cara, errou de cemitério e parou no Caju, ao lado de dois companheiros de copo. Os três, pra lá de Bagdá, chegaram ao concorrido velório de um capitão do Exército e, apostando que aquele mar de gente só podia estar ali para se despedir do Blecaute, invadiram a capela mandando no gogó: “Chegou General da Banda, ê ê / Chegou General da Banda, ê a...”

Para horror da família do capitão, com direito a siricoticos da esposa e crise nervosa de uma amante até então discretíssima, alguns dos presentes, mesmo não entendendo bulhufas do que ocorria, acharam que era melhor cantar também. Na hora em que os bebuns, no embalo do ‘General da Banda’, puxaram ‘Pedreiro Waldemar’, que faz tanta casa e não tem casa pra morar, um familiar do morto deu o basta, foi tirar satisfações com os cachaças e o pau comeu.

Em meio a cenas de pugilato, a amante do defunto incorporou uma cigana e passou a dar consultas no cemitério, ao lado do túmulo do Barão do Rio Branco. A esposa deu uma de viúva das histórias do Nelson Rodrigues e desmaiou nos braços do coveiro. Os pinguços, quando perceberam a dimensão da encrenca, saíram em busca de alguma birosca.

A turma cantando para o defunto errado foi, no fundo, uma tremenda homenagem ao grande Blecaute. Não imagino prova de popularidade mais contundente. A família do milico, cá entre nós, não deveria ter se ofendido com o gurufim. O homem subiu de patente: viveu como capitão do Exército e virou, depois de morto, o General da Banda.
 
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