Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Filme familiar sobre Hélio Oiticica


Trajetória de Hélio Oiticica é revista em documentário familiar

Sobrinho retrata o artista a partir de fitas cassete e filmes quase desconhecidos que deixou
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Hélio Oiticica em uma das cenas do filme
Foto: Divulgação
Hélio Oiticica em uma das cenas do filmeDIVULGAÇÃO
RIO - As duas letras que aparecem entrelaçadas no início do documentário “Hélio Oiticica” dão uma impressão imediata ao espectador de que se referem às iniciais de um nome. Mas não é bem assim. Nada poderia ser tão óbvio em se tratando de Oiticica. O “H” e o “O” que abrem o documentário foram tirados de “A greve”, filme de 1925 do russo Sergei Eisenstein. Em russo, “Ho” quer dizer “porém”. Na obra de Eisenstein, a palavra é usada na frase “Tudo está calmo na fábrica, porém...”, e a partir daí a história começa.
O que “Hélio Oiticica” deixa bem claro é que seu protagonista foi um porém nas artes brasileiras, alguém reverenciado internacionalmente, mas que frequentava as favelas, o samba, a rua. Um nome que permanece vivo mais de 30 anos após sua morte, em 1980, e que, com o documentário, tem sua trajetória revista.
Selecionado para a competição do Festival do Rio (de 27 de setembro a 11 de outubro), “Hélio Oiticica” foi dirigido por Cesar Oiticica Filho, sobrinho do artista. A ideia do filme surgiu há cerca de dez anos, quando Cesar preparava uma exposição internacional sobre o trabalho do tio e descobriu uma série de filmes quase desconhecidos feitos por Hélio. Na ocasião, ele também utilizou para a exposição os “Heliotapes”, nada mais do que fitas cassete em que Hélio gravara declarações sobre sua vida e pensamentos para amigos. Era a gênese de que Cesar precisava.
— Geralmente, as pessoas só enxergam o “Agripina é Roma-Manhattan” como um filme terminado do Hélio. Mas ele fez vários, só que nunca os editou, porque não acreditava em edição. Isso fica muito claro no “Cosmococa”, que é um filme inteiro formado de fotos, sem editar nada — explica Cesar. — Já os tapes formam um material bem grande. Daria até para fazer outro filme com os áudios que ficaram de fora.
Além dos filmes e dos tapes de Hélio, o documentário de Cesar também é formado por outros áudios e imagens de arquivo. A proposta foi casar filmes em que aparecem os trabalhos, as influências ou o próprio Hélio com seus depoimentos no fundo. Afastou-se, assim, do documentário biográfico clássico, em que novas entrevistas são feitas com amigos, parentes ou admiradores, para dar uma suposta dimensão do perfilado. Em “Hélio Oititica”, fica tudo a cargo de Hélio Oiticica.
— Tudo acaba formando uma grande colcha de retalhos. Nosso desejo era colocar a pessoa na cabeça do Hélio — diz Cesar. — Ele tem essa coisa do grande artista, que tem a dimensão de seu tempo. Ele vivia aquele momento, mas conseguia observar com o distanciamento de uns cem anos, entendia a importância. Por isso, viveu intensamente e passou essa vivência através da obra. Ele fazia uma arte que estava acima do objeto e do consumo.
Para dar forma ao documentário, foram incluídas, por exemplo, cenas de obras como “H.O.”, de Ivan Cardoso; “Uma Vez Flamengo”, de Ricardo Solberg; “Câncer”, de Glauber Rocha; “O demiurgo”, de Jorge Mautner; “Lágrima pantera”, de Julio Bressane; e “Mangue-bangue”, de Neville D’Almeida. A pesquisa de imagens ficou a cargo de Antônio Venancio, o mesmo de filmes como “A música segundo Tom Jobim”, “Palavra (en)cantada” e “Uma noite em 67”.
— Foram quatro anos trabalhando na pesquisa e na obtenção do material. Achamos imagens de “Los encuentros de Pamplona”, uma exposição de 1972 na Espanha, e da Bienal de Paris de 1967, ambas com obras do Hélio. Também conseguimos coisas do arquivo pessoal do Ivan Cardoso, do Jards Macalé e do Jack Smith. Há, ainda, muito material de desfiles e ensaios da Mangueira — afirma Venancio.
Outro destaque do filme foi a seleção musical. De Caetano Veloso, tocam no documentário “Tropicália” e “You don’t know me”. De Gilberto Gil, “Back in Bahia” serve como trilha sonora para o período em que Hélio se exilou em Londres. E há ainda uma boa surpresa para os fãs de MPB: Jards Macalé gravou especialmente para o documentário a canção “Putney Gill”, que ele compôs com letra de Hélio, e que permanecia inédita.
— As músicas escolhidas foram as da vida do Hélio. Eu queria também ter inserido umas coisas internacionais, mas tivemos dificuldade com os direitos. Numa versão prévia do filme, usamos “Sympathy for the devil”, dos Rolling Stones. Só que na hora de conseguir autorização para seu uso, não tive nem resposta de quanto iria custar — conta Cesar. — Mas isso de certa forma foi bom. Acabou que usamos “You don’t know me” no lugar de “Sympathy for the devil”. Saiu o “Please allow me to introduce myself” (primeiro verso da música dos Stones) e entrou um “You don’t know me”, que é mais coloquial. Quase virou o título do documentário.
No filme, os tapes gravados por Hélio falam um pouco sobre vários aspectos de sua biografia. Da influências de seu avô anarquista, José Oiticica, à temporada passada numa Nova York vanguardista. Do neoconcretismo ao tropicalismo. Dos “Penetráveis” aos “Parangolés”. De seu apreço pelo carnaval ao uso de cocaína. Tudo, inclusive a droga, ganha imagens e depoimentos. “Apologia das drogas e condenação das drogas, um e outro são a mesma bobagem”, afirma Hélio em certo momento do filme, pouco depois de aparecer numa imagem cheirando e dizer que “o pó é a luz”, e pouco antes de revelar que largara a cocaína por ela ter virado moda.
Para Cesar, o documentário acabou significando uma forma de entrar na vida do tio. Quando Hélio morreu, o diretor estava com 12 anos de idade. Sua memória — e também a de outros integrantes do clã Oiticica, portanto, — é formada pela obra de Hélio. Mais do que uma homenagem, para eles “Hélio Oiticica” é uma espécie de filme de família.
— É mais ou menos como o próprio Hélio fala no início do filme, que conhecia mais o avô através do pai. Eu conhecia mais o Hélio através da obra dele. Acho que sei todos os áudios do documentário de cor — conta Cesar. — Mas minha formação é em Jornalismo. Então eu acho que tive que exercitar a distância do objeto, e escolher as imagens pela relevância.



























































































































Leia 
mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/trajetoria-de-helio-oiticica-revista-em-documentario-familiar-6121191#ixzz26qpfH1Sx 

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