Domingo de Circo
Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.
Do livro A Arte de Semear Estrelas, de Frei Betto.

domingo, 27 de novembro de 2011

Despertar a dimensão xamânica

 
por Leonardo Boff
27/11/2011
A categoria sustentabilidade, tomada em seu sentido amplo e não apenas reduzida ao desenvolvimento, significa toda a ação que visa a manter os seres na existência porque tem direito de coexistir conosco e só a partir desta convivência utilizamos com sobriedade e respeito uma porção deles para atender nossas necessidades e preservando-os também para as futuras gerações. Dentro deste conceito cabe também o universo. Sabemos hoje pela nova cosmologia que somos feitos de pó das estrelas e somos sustentados e atravessados pela inominável Energia de Fundo que tudo alimenta e que se desdobra nas quatro forças – a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte – que, agindo sempre juntas, nos mantém assim como somos.
Como seres conscientes e inteligentes temos o nosso lugar e nossa função dentro do processo cosmogênico. Se não somos o centro de tudo, seguramente, somos uma daquelas pontas avançadas pelas quais o universo se volta sobre si mesmo, vale dizer, se torna consciente. O princípio andrópico fraco nos concede dizer que para sermos o que somos, todos as energias e processos da evolução se organizaram de forma tão articulada e sutil que permitiram o nosso surgimento, caso contrário não estaria aqui escrevendo agora.
Através de nós, o universo e a Terra se veem e se contemplam a si mesmos. A vista surgiu há 600 milhões de anos. Até lá a Terra era cega. O céu profundo e estrelado, as cataratas do Iguaçu, onde escrevo agora, o verdor das florestas, aqui ao lado, não podiam ser vistos. Pela nossa vista a Terra e o universo podem ver toda essa indescritível beleza.
Os povos originários, dos andinos aos samis do Ártico, se sentiam unidos ao universo, como irmãos e irmãs das estrelas, formando uma grande família cósmica. Nós perdemos esse sentimento de mútua pertença. Sentiam que forças cósmicas equilibravam o curso de todos os seres e atuavam em sua interioridade. Viver consoante estas energias universais era levar uma vida sustentável, serena e cheia de sentido.
Sabemos pela física quântica que a consciência e o mundo material estão conectados e a maneira que um cientista escolhe para fazer a sua observação, afeta o objeto observado. Observador e objeto observado se encontram indissoluvelmente ligados. Dai que a inclusão da consciência, nas teorias científicas e na própria realidade do cosmos, é um dado já assimilado por grande parte da comunidade científica. Formamos, efetivamente, um todo complexo e diversificado.
São conhecidas as figuras dos xamãs, tão presentes no mundo antigo e que hoje estão voltando com renovado vigor como o tem mostrado o físico quântico J. Drouot em se livro O Xamã, o Físico e o Místico (Record 2002) que tive a honra de prefaciar. O xamã vive um estado de consciência singular que o faz entrar em contato íntimo com as energias cósmicas. Ele entende o chamados das montanhas, dos lagos, das florestas, dos animais e, das estrelas e dos outros. Sabe conduzir tais energias para curar e harmonizar o ser humano com o todo.
Em cada um de nós existe a dimensão xamânica, escondida dentro de nossa interioridade Essa energia xamânica nos faz silenciar diante da grandeza do mar, vibrar diante do olhar da pessoa amada e estremecer face a um recém nascido. Precisamos liberar esta dimensão em nós para entrarmos em sintonia com tudo o que nos cerca e sentirmo-nos em paz.
Talvez nossa vontade de viajar com as naves espaciais na direção do espaço cósmico, não seja o desejo arquetípico de buscar nossas origens estelares e o ímpeto de regressar ao lugar de nosso nascimento? Vários astronautas expressaram semelhantes idéias.
Pertence à noção compreensiva de sustentabilidade, esta nossa busca incontida de equilíbrio com o todo e de sentirmo-nos parte do universo. A sustentabilidade comporta valorizar este capital humano e espiritual cujo efeito é produzir em nós respeito, sentido de sacralidade diante de todas as realidades, valores que alimentam a ecologia profunda e que nos ajudam a respeitar e a viver em sintonia com a Mãe Terra. Hoje faz-se urgente essa atitude, para moderar a força destrutiva que nas últimas décadas tomou conta da humanidade.

http://leonardoboff.wordpress.com/2011/11/27/despertar-a-dimensao-xamanica/

Nenhum comentário:

Postar um comentário